De tempos a tempos surge o debate sobre uma possível privatização, total ou parcial, da Rádio e Televisão de Portugal (RTP). Deve o país prescindir dos canais estatais de serviço público? Deve o serviço público de televisão ser concessionado a estações privadas? Que canais e serviço público devemos ter?.Ao contrário do que aconteceu nos Estados Unidos, onde as estações privadas foram pioneiras e dominaram desde sempre o panorama televisivo, na Europa foram as estações públicas que deram o pontapé de saída e que até aos anos 80 e 90 do século passado foram bastante fortes. Não é por acaso que siglas e nomes como BBC, TVE, RAI, ARD, France 2 não são desconhecidos da maioria das pessoas, mesmo não sendo dos países destas emissoras..Ainda que os canais públicos europeus não tenham hoje a mesma relevância que tiveram no século XX, continuam a prestar um serviço essencial, nomeadamente na criação de produtos audiovisuais e culturais que os canais privados nunca (ou muito excepcionalmente) fariam por sua exclusiva iniciativa. Basta ver a programação da RTP2 para perceber que a quase totalidade dos seus conteúdos não passariam nas generalistas SIC ou TVI..Contudo, há quem defenda que se deveria manter a RTP2, mas que a RTP1 deveria ser privatizada. E aqui a argumentação para manter público o primeiro canal é mais difícil. E a culpa é da própria RTP. Mesmo este canal, devendo ser mais comercial e lutar por ter audiências minimamente relevantes, não pode ter praticamente o mesmo tipo de formatos dos canais privados. A RTP1 deve ser uma verdadeira alternativa, ainda que comercial, à SIC e à TVI..E isso não está a acontecer, dando alguma razão a quem acha que pelo menos um dos canais da RTP deve ser privatizado. É certo que mesmo tendo boa parte dos mesmos formatos das privadas, e isso é evidente no day time da RTP1, os conteúdos desses programas têm cuidados que SIC e TVI não têm. Mas isso não basta. A RTP1 deve ser diferenciadora de manhã à noite. Infelizmente não está a sê-lo..Não será útil apontar exemplos, até porque os profissionais e as caras desses programas merecem todo o respeito, mas não faz sentido a RTP não oferecer uma opção diferente daquela que as privadas oferecem. E sim, a estação pública deve olhar para o que as privadas colocam em grelha, que não difere muito há vários anos, e tentar dar uma alternativa aos espectadores e contribuintes que pagam uma taxa de audiovisual na sua conta da electricidade..E se mudassem os horários dos noticiários da RTP1? Têm de ser às 13h00 e às 20h00? E se de manhã e de tarde deixasse de haver programas de conversa, com música (quase sempre de má qualidade) e espaços de culinária e fossem substituídos por formatos mais originais? E se deixasse de haver um concurso ao final da tarde? A RTP1 pode continuar a ser comercial e ao mesmo tempo ser uma alternativa séria às privadas..No horário nobre a RTP1 consegue ser alternativa, é preciso ser justo, mas ser alternativa às quase três horas de telenovelas das privadas não é um grande feito. Ainda assim, é verdade que a estação pública tem feito um bom trabalho nesse horário, trazendo conteúdos diversificados e com qualidade..Aos fins de semana o panorama é substancialmente pior. Durante o dia a RTP1 passa exactamente o mesmo conteúdo das privadas, mas num tom bastante menos histriónico. Escolhe-se uma terra do país, monta-se um espaço ao ar livre, convidam-se uns cantores populares com dançarinas, fala-se com algumas forças vivas do município em questão e está feito o programa, que em pouco difere, excepto nos decibéis (e já é alguma coisa), do que faz a SIC e a TVI, exactamente no mesmo horário..Outra hipótese seria o Estado fazer acordos com as estações privadas para passarem conteúdos considerados como sendo de serviço público. Mas passariam a que horas? Os canais privados aceitariam alterar a sua grelha, podendo perder audiências em horários importantes? Ou esses conteúdos passariam em horários de baixíssima audiência? Não parece ser uma opção viável..O serviço público é necessário e faz todo o sentido que seja a estação pública a fazê-lo nos seus dois canais generalistas, um para um público mais geral e o outro para públicos mais específicos. É necessário defender este serviço, comum ao que se faz no resto da Europa, mas para isso há que arriscar, fazer diferente e oferecer uma verdadeira alternativa. Caso contrário, quem quer privatizar a RTP1 terá bem melhores argumentos do que aqueles que a querem manter na esfera do Estado..Presidente do movimento Partido Democrata Europeu (O autor escreve de acordo com a antiga ortografia)