Gonaba, nomeado inspetor escolar em Bangui, depois de estudar em França, decide desistir de tudo para ir morar no coração da floresta equatorial, domínio dos pigmeus "babinga". Pretendia ajudá-los a emancipar-se de quem tinha por eles um sentimento racista, o que na sua opinião era intolerável, quarenta anos depois da independência do país. Estas palavras são um resumo do romance de Étienne Goyémidé. Ele foi um escritor e dramaturgo da África Central, tendo sido aclamado pela crítica literária com "Le Silent de la Forêt" (O Silêncio da Floresta, 1984). O romance foi posteriormente adaptado para o cinema, em 2003, já depois da morte prematura do escritor, sendo, historicamente, a primeira longa-metragem coproduzida na República Centro-Africana e a primeira a abordar significativamente o racismo dos africanos modernos em relação ao povo indígena étnico. Étienne nasceu em 1942, na República Centro-Africana, e morreu com 55 anos, em 1997, quando ainda se esperava muito dele. Ippy era a sua terra natal. A sua mãe, camponesa, como camponês era o seu pai, deu-o à luz com o apoio da missionária americana Margaret Nicholl Laird. Ainda não havia hospital em Ippy, mas Margareth conseguiu que, poucos anos mais tarde, isso se concretizasse. O hospital até passou a estar dotado de uma grande biblioteca de mais de um milhar de livros médicos em língua inglesa, que, curiosamente, o escritor visitou desde a adolescência. Margaret foi uma missionária que trabalhou na colónia francesa de Oubangui-Chari e na República Centro-Africana. Em 1928, Félix Éboué, administrador francês do Forte-Sibut (atual Sibut, capital de Kémo, um dos 14 municípios da República Centro-Africana), pediu-lhe para abrir um posto da sua missão entre o povo "banda", precisamente na cidade de Ippy, para evangelizá-los. Os franceses queriam que os Lairds (ela e o marido) ajudassem os instalados naquele país a ganharem a confiança do povo, numa região onde os diamantes e o ouro tinham acabado de ser descobertos e se iniciava a sua exploração. Os Lairds mudaram-se para Ippy, onde Margaret trabalhou como enfermeira até 1964, antes e depois de fundar o hospital. Em casa, das suas mãos saiu ao mundo o futuro escritor Étienne Goyémidé, e mais tarde teve com ele uma relação inspiradora de amizade e partilha, que talvez significasse muito para ambos. Já famoso com o êxito daquele livro, nos anos de 1991 e 1992, Étienne foi Ministro da Educação e da Investigação Científica e, depois, nomeado Embaixador Honorário da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). A África sempre foi uma preocupação sua. Com "Le Silent de la Forêt", retrata esse sentimento e protesta contra o sistema e o desprezo por um povo. Apaixonado pelas ideias de Barthélémy Bodanga, o primeiro presidente da República Centro-Africana, sobre a igualdade entre todos os homens, ele propôs-se descobrir quem seriam essas pequenas pessoas que todos denegriam ou exploravam e fez partir o protagonista para a floresta. Este, tendo-se proposto educar voluntariamente os pigmeus, descobriu que não se pode fazer as pessoas felizes sem o consentimento dos próprios. Os pigmeus mostraram-se resistentes a qualquer tentativa de influenciá-los, tal como foi o caso dos "banda". É curioso que tanto Margaret, na vida real, como o protagonista do livro, na ficção, tentam moldar os povos indígenas, embora com propósitos diferentes. Terá sido o exemplo da missionária a inspiração do escritor? Talvez. De qualquer modo, fica este ensinamento dos dois factos. As florestas seriam demasiado silenciosas se só cantassem os pássaros que cantam melhor..Jorge Mangorrinha, professor universitário e pós-doutorado em turismo, faz um ensaio de memória através de fragmentos de viagem realizadas por ar, mar e terra e por olhares, leituras e conversas, entre o sonho que se fez realidade e a realidade que se fez sonho. Viagens fascinantes que são descritas pelo único português que até à data colocou em palavras imaginativas o que sente por todos os países do mundo. Uma série para ler aqui, na edição digital do DN.