Reportagem: Campo do Gerês. Andar sobre as águas

Publicado a
Atualizado a

Equipar com fato estanque, capacete e toda uma parafernália de cabos, arnês e mosquetão de segurança um grupo de oito pessoas, vindas de Lisboa para experimentar a sensação de descer os rios do Gerês pelo seu próprio pé, não é tarefa fácil. O afluente do Caldo já não é calcorreado há um mês e é necessário comparecer no terreno, um dia antes, para limpar as águas de ramos indesejados, cortar algumas silvas mais intrometidas. São dez horas da manhã e dois monitores, acompanhados de dois estagiários nas margens, começam os trabalhos de remoção, ao mesmo tempo que vão fazendo uma ante-estreia de todo o percurso. A isto chama-se canyoning. Combina escalada, rappel, caminhada e, em certos troços mais saturados de água, mergulho e natação. Com sorte - considerarão apenas alguns - poderá haver um encontro imediato com uma das sete espécies de víboras que habitam o parque natural.

A empresa de Nuno Coelho organiza este e outros programas de contacto directo com a natureza durante todo o ano, mas os avistamentos dos simpáticos répteis não têm sido frequentes. Estamos perto da povoação de Campo do Gerês, não muito longe da barragem de Vilarinho das Furnas, na transição entre a serra do Gerês e a serra Amarela. O caminho até ao palco das operações foi feito de jipe, em terra batida onde só estes veículos passam. Os monitores, que no dia seguinte serão quatro para oito atarantados quadros de uma empresa de telecomunicações, mergulham as pernas protegidas com botas e meias impermeáveis, a combinar com o resto do fato, na água fria. O troço de rio foi escolhido por ter obstáculos no seu percurso, seixos e rochas mais escarpadas, penedos redondos e lisos, polidos pela força da água. E eles aí estão.

Acompanhados desde o princípio por uma estranha espécie de libélulas azuis, começamos a descer. A sensação de escorregadela iminente é constante, mesmo se Nuno e Eurico vão explicando, a par e passo, as técnicas mais elementares para se evitar a queda: ali convém passar quase sentado, aqui procurar as rochas com limos, ao contrário do que se julga são as menos perigosas. É preciso encontrar pontos de apoio, saltitar de pedra em pedra em trajectos mais secos; afundar na água fresca e límpida em zonas de maior caudal. Há penedos que formam túneis, abruptos ou mais estreitos, sempre desnivelados, onde o dia escurece por minutos.

"A segurança é a preocupação principal, e é por isso que levamos sempre, pelo menos, um monitor para cada quatro clientes". Nuno Coelho é um veterano destas lides, e a sua empresa, com um Campo Aventura na aldeia de Covide, é das poucas licenciadas pelo Instituto de Conservação da Natureza - muitas operam clandestinamente dentro do Parque Nacional da Peneda-Gerês. Vai explicando que este percurso não ultrapassa o quilómetro e meio, embora pareça mais devido ao esforço. Normalmente demora três horas a percorrer, às quais se junta mais uma de preparação e apetrechamento dos clientes. Parece ter pena que neste percurso não haja grandes saltos nem tobogãs, quedas de água que funcionam como escorregas naturais, com vários metros. Ao mesmo tempo, retira de malas estanques cordas feitas de fio enlaçado e cabos. Chegou a altura de fazer rappel.

Eurico já desceu, até parece fácil, está na piscina natural onde não há pé em algumas zonas. A corda é passada numa argola previamente cravada na rocha, em pontos estratégicos e estudados. Aqui começa a luta para contrariar as leis da gravidade: é preciso apoiar os pés na superfície vertical e formar um ângulo recto com a rocha, o corpo inclinado pra trás, peso totalmente apoiado no arnês. A mão direita controla a velocidade da descida, ao lado uma mini-cascata aponta a direcção. Nuno avisa para não se olhar para cima, cai terra levantada pelos próprios pés. Parte deste rappel é vertical, mas a parte final é suspensa, com ordem para largar tudo quando se está quase a tocar na água. Eis o mergulho, o riso, e mais uma revoada de libélulas azuis.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt