A primeira edição da "Viagem pela História" envolveu mais de mil figurantes e, só hoje, para a recriação da receção dos jesuítas no arquipélago, estiveram a atuar 600 atores, muitos deles moradores na Ribeira Grande de Santiago..A Cidade Velha, património mundial da humanidade, respondeu com grande entusiasmo ao desafio de recuar quatro séculos e, hoje, no centro histórico, era possível ver vendedoras de frutas trajadas a rigor, músicos a tocar batuque e cimboa, mulheres de volta da "sinhã" e escravos acorrentados..Nivaldo da Silva, morador na cidade da Praia, representou um dos padres jesuítas que ali chegou há quatro séculos, "com o objetivo de impedir a propagação do Islão no sul"..À agência Lusa recordou a importância para Cabo Verde nesse propósito, pois "foi a base de instalação do Cristianismo". "Todos se reuniam aqui e depois iam para dentro de África, nomeadamente a Guiné"..Junto ao pelourinho, Miguel Tavares, vestido de roupas coloridas, passeava uma farta cabeleira. O instrumento que toca, a cimboa, denunciava a profissão: músico..Este ator, que mora na cidade de Santa Cruz, encarnou a figura de um escravo, mas "com determinadas qualidades e certas liberdades", como ressalvou.."Sou um escravo que já é capaz de pôr em prática a sua cultura e dinâmica cultural", disse..A cimboa "era usada pelos escravos pastores para animar a pastorícia, num momento de isolação. É um instrumento acompanhado pelo batuque", explicou..Em cada esquina, um grupo de mulheres vestida à época animava a viagem. .Visivelmente feliz com a sua personagem, a "sinhã", Carminda explicou que esta era "gente fina, que estava na casa branca, que mandava nos escravos e que recebia os jesuítas quando saiam do mar"..Moradora em Vila Nova da Praia, disse gostar muito desta personagem e principalmente das roupas, um vestido comprido colorido, adornado com um xaile preto..Ao seu lado, duas outras figurantes: Alcinda, vendedeira de frutas, e Cleidiane, uma escrava simples de 15 anos. Ambas estavam contentes com as personagens, e encaminhavam-se felizes para o porto, porta de entrada da embarcação que trouxe os jesuítas para Cabo Verde..O ator e encenador Gil Moreira, trajado de 'mestiço', personagem que na época "já tinha uma certa inserção social", ressalvou a importância de eventos como este que são capazes de "dar vida à história" e "fazê-la reviver".."Transmitir a história às novas gerações, valorizar a cultura cabo-verdiana e marcar o trajeto", eis o objetivo da iniciativa que também valoriza "o centro da cidade velha como património histórico e cultural"..O presidente da Câmara Municipal de Ribeira Grande, Manuel de Pina, despiu a pele de autarca e hoje era apenas "um mercador".."A Cidade Velha era o centro de comercialização de escravos. Sou um cidadão comum, mas com alguma relevância no tecido económico da cidade", disse, justificando a sua personagem. .Sobre o episódio hoje recriado, Manuel de Pina disse que os jesuítas foram chamados pela própria população, daí a grande envolvência de todos na sua receção, há quatro séculos, hoje recriada..Enquanto autarca, disse que este tipo de eventos é necessário para "engajar a população local e ela ver a importância do sítio histórico no contexto do desenvolvimento local"..Para esta "Viagem pela História", a autarquia cabo-verdiana contou com o apoio da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira, em Portugal, onde se realiza a maior viagem medieval da Europa..O seu presidente, Emídio Sousa, fez questão de estar presente e optou por vestir a roupa de um nobre, aproveitando a indumentária utilizada em Portugal.."Para nós, foi uma honra quando Cabo Verde nos abordou para sermos parceiros. Estiveram connosco na nossa última viagem medieval e vamos ajudar", disse..Nesta viagem embarcou o batuque e a capoeira, as cantadeiras e a tabanka, manifestações culturais de Cabo Verde. Houve música e dança e mais tarde as mesas vão estar cobertas de pratos típicos da época. .O objetivo foi reproduzir ao máximo as vivências da Cidade Velha no século XVII. A envolvência da população foi fácil. Mais difícil foi tirar do cenário os telemóveis, os tablets e até um drone, que denunciavam o atual século XXI..SMM/RYPE