Quando o comportamentodos cães se lê nas entrelinhas
Conhece alguém com um diploma em Psicologia Canina Avançada? Alexandra Santos tem um. Mas, ao contrário do que possa pensar, não deita os animais no divã nem fala a língua deles. Chega ao cão através do dono. Não gosta de ser considerada psicóloga canina, porque, garante, para aquilo que faz "não basta gostar de cães, é preciso gostar de trabalhar com pessoas". Diz-se treinadora de comportamento.
Com seis anos de formação no Reino Unido, África do Sul e Canadá, esta profissional aposta no estudo e contacto permanente com outros treinadores comportamentalistas - que se dedicam à análise dos comportamentos problemáticos dos animais e à sua correcção - e veterinários.
Para Alexandra, as actividades do treinador e do veterinário complementam-se. Uma vez, foi contratada para tratar um épagneul bretão agressivo que já tinha passado por seis veterinários. Cada um implementou um método diferente, sem resolver o problema. A treinadora notou um padrão no comportamento do animal: solicitava afecto, mas depois ficava com o olhar vazio e mordia quem estivesse por perto. Acabava prostrado, parecendo não se aperceber do que tinha feito.
Alexandra suspeitou de um problema neurológico e pediu a um veterinário que fizesse uma TAC ao cão. Chegou a pedir desculpa por estar a intrometer-se numa área que não era a dela. O exame mostrou que o cão tinha várias microfracturas no crânio que lhe comprimiam o cérebro. "Teve de ser eutanasiado. Foi o que eu chamo uma vitória amarga. Descobri o que era, e para quê?", lamenta ao DN.
Alerta para a existência de treinadores sem conhecimentos de comportamento: "São os chamados treinadores de domingo. A profissão não está regulamentada e pessoas que não procuram obter formação e credenciais auto-intitulam-se treinadoras. Isto para mim é muito preocupante."
Estes treinadores fazem uso de estranguladores, coleiras de bicos e aplicam castigos que, para Alexandra, têm a sua base em "teorias Walt Disney". A treinadora trabalha com dois estímulos principais no seu "método positivo": ou dá ao animal uma recompensa ou a retira. É assim que ele aprende a identificar o comportamento desejável, pela repetição do estímulo da recompensa.
A base científica deste trabalho alia-se, muitas vezes, à criatividade do treinador. Alexandra teve entre mãos um caso que o prova: um pastor alemão treinado na Força Aérea que atacava qualquer pessoa que estivesse à sua frente, quando trazido pela trela. Percebendo que ele estava treinado para fixar os olhos das pessoas antes de as atacar, a treinadora experimentou usar óculos escuros. Resultou. O cão ficou tão confuso que já não sabia o que fazer, dava voltas, investia mas não atacava. "Comecei a dar-lhe comida e a fazer brincadeiras quando ele estava à trela, para ele passar a associá-la a algo agradável", conta, satisfeita.
A treinadora evita, no entanto, trabalhar com cães agressivos, porque os donos tendem a entrar em negação, minimizando a gravidade do problema. " Tal como um alcoólico, um cão agressivo nunca está curado. Corre sempre o risco de recaída." Por isso, não garante a reabilitação completa de um cão agressivo e tem, nesses casos, "tolerância zero": ou o dono colabora ou termina o relacionamento profissional.
Alexandra Santos discorda da designação de "raças potencialmente perigosas". Acredita que qualquer cão é potencialmente perigoso, dependendo da sua educação e carga genética.
Para ela, é importante que os cães sejam sociabilizados desde muito cedo, porque "muitos dos problemas de comportamento têm origem na falta de sociabilização". Alexandra quer fazer campanhas e acções de formação para promover a sociabilização e prevenir as crianças de serem mordidas por cães.
"A fase de socialização está entre as três e as 20 semanas. O dono do cachorro deve pedir a muitas pessoas que vão a sua casa brincar com ele, proporcionar-lhe o convívio com outros cães saudáveis e amigáveis, e habituá-lo a andar de carro e a ouvir todo o tipo de ruídos", recomenda. Para Alexandra Santos , "o treino não é um luxo, é uma necessidade. Infelizmente, as pessoas só contratam um profissional depois de terem tentado tudo".
Alexandra Santos
- É consultora de comportamento canino
- Tem 47anos
- Estudou comportamento e psicologia canina na África do Sul, Canadá e R. Unido
Alexandra Santos desistiu de um curso de Psicologia Clínica para estudar o comportamento dos cães. Treinadora a tempo inteiro há oito anos, faz consultas de comportamento ao domicílio. Editou um livro nos EUA e tem uma página na Internet: www.wagatail.biz.