Em Khan Yunis, onde o fumo se espalhava pelo céu, um grupo de homens gritava Allahu akbar (Deus é o maior) enquanto corria pelas ruas carregando um corpo envolto numa mortalha branca. "Há bombardeamentos por todo o lado. Não temos comida, não temos água, não temos roupa. As lojas estão fechadas, está frio e o posto de controlo fronteiriço está fechado", resume Marwa Saleh, de 47 anos, que procurou refúgio em Khan Yunis depois de ter sido deslocada da cidade de Gaza, no norte. "Quando é que o mundo nos vai ver como seres humanos?", perguntou..Nos escombros de uma casa destruída por bombas na cidade de Rafah, no sul de Gaza, um homem gritava: "Onde estão os meus filhos?". Cenas semelhantes ocorreram em toda a devastada Faixa de Gaza na sexta-feira, com os residentes a fugirem das casas e a levarem os seus mortos e feridos para os hospitais, depois do recomeço das hostilidades entre Israel e o Hamas, após o termo de uma trégua de uma semana..O prolongamento da pausa nos combates - no âmbito da qual o fluxo de ajuda para Gaza aumentou e dezenas de reféns israelitas foram trocados por centenas de prisioneiros palestinianos - não foi alcançado. Com os ataques aéreos israelitas, os habitantes de Gaza saíram das suas casas para áreas mais seguras, enchendo as ruas de carros, camionetas, tratores, carroças, bicicletas e, sobretudo, de pessoas a pé..Durante os quase dois meses que decorreram entre o ataque e a aplicação da trégua, há uma semana, a implacável campanha aérea e terrestre de Israel contra o Hamas matou mais de 15 mil pessoas, também na sua maioria civis, segundo o governo de Gaza dirigido pelo grupo islamista. Na sexta-feira à noite, o Ministério da Saúde, dirigido pelo Hamas, declarou que pelo menos 178 pessoas tinham sido mortas em todo o território, entre as quais crianças..Sentada numa cama do hospital Nasser, em Khan Yunis, Amal Abu Dagga chorava, com o seu véu bege coberto de sangue. "Nem sequer sei o que aconteceu aos meus filhos", disse. Um familiar, Jamil Abu Dagga, disse à AFP que a família estava em casa quando as bombas começaram a cair. "A minha casa foi destruída, assim como a do meu vizinho", disse ele, com a cabeça enfaixada. Outro membro da família, Anas Abu Dagga, de 22 anos, comentou: "A guerra regressou, ainda mais feroz"..Na receção do hospital, Lina Hamdan, de 10 anos, disse: "Estávamos a preparar-nos para dormir quando ouvi uma bomba. Os meus irmãos começaram a gritar.".Em Rafah, para onde muitos palestinianos fugiram depois de Israel lhes ter ordenado que abandonassem o norte do território, um jovem retirou à pressa uma criança gravemente ferida de um campo de refugiados atingido por uma explosão, enquanto outros podiam ser vistos a retirar uma pessoa imóvel dos escombros..Uma das deslocadas, Manal Mohammad, disse que estava alojada numa casa em Rafah, apinhada com dezenas de familiares, e que não sabia o que mais podia fazer. "Estão a bombardear por todo o lado. Para onde é que querem que vamos?", disse. "Dissemos a nós próprios que as tréguas iam durar e que íamos regressar a casa, mas eles não querem que vivamos", continuou. "Dizem às pessoas: "vão para o sul" e, uma vez lá, dizem-lhes: "vão para oeste" e bombardeiam-nas.".No norte da Faixa de Gaza, a bola de fogo de uma grande explosão podia ser vista do outro lado da fronteira, na cidade israelita de Sderot, e uma câmara da AFPTV transmitiu em direto imagens de nuvens de fumo cinzento e sons de tiros automáticos nos primeiros 90 minutos após o fim da trégua..De um hospital não identificado em Gaza, o porta-voz da UNICEF, James Elder, disse num vídeo publicado no X que uma bomba tinha caído "a 50 metros de distância". "Não posso exagerar o quanto a capacidade dos hospitais foi reduzida", disse. "Não podemos ver mais crianças com as feridas da guerra, com queimaduras, com estilhaços espalhados pelo corpo, com ossos partidos. Esta é uma guerra contra as crianças", acrescentou..Marwa Saleh, natural da cidade de Gaza e que procura refúgio em Khan Yunis, disse que ela e a sua família são civis e que "não têm nada a ver" com esta guerra. "Não quero morrer e não quero perder ninguém."