Projeto premiado em Serralves questiona o esquecimento de obras semidestruídas

"Mostrar diferentes formas de lembrar, perguntando se é possível esquecer" é a base do projeto vencedor do Prémio Novo Banco Revelação 2018, da artista Maria Trabulo, intitulada "A reinvenção do esquecimento", apresentada hoje, no Museu de Serralves.
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A inauguração da instalação ao público ocorre ao final da tarde de hoje, assim como a apresentação de um catálogo monográfico - o que constitui uma estreia na atribuição do prémio -, segundo o adjunto da direção do museu, Ricardo Nicolau.

"Este projeto está relacionado com aquilo que vivi em Viena, vivi lá os últimos quatro anos", começou por explicar Maria Trabulo, justificando a ida para a capital austríaca com a falta de "expectativa de futuro em Portugal". O processo, porém, levou-a a encontrar, no meio artístico vienense, pessoas que tinham abandonado o seu país devido a conflitos, políticas ou crise financeira.

Em conversas tidas com essas pessoas, a artista portuguesa percebeu haver "algo comum entre todos", que era o "deixar algo para trás e fundar algo novo" mas, ao mesmo tempo, concluiu que era "impossível esquecer" o passado, quando ele permanecia presente e, "nas redes sociais [continuavam presentes] protestos, bombardeamentos, discursos das medidas políticas em Portugal".

A partir daí começou a recolher relatos, desde a queda das estátuas de Lenine, durante a guerra da Ucrânia, às estátuas do antigo presidente sírio Hafez al-Assad, percebendo que, mesmo não estando esses objetos presentes fisicamente, há alguém "capaz de os descrever", assim como "o momento do dia" em que os factos aconteceram, "em que as estátuas foram derrubadas".

"Depois comecei a pesquisar na internet como esquecer uma pessoa -- é uma brincadeira que uso no livro, os passos para esquecer uma pessoa --, mas que, na verdade, são os passos para se lembrar. O projeto transforma-se nisso, em demonstrar que, na evidência do desaparecimento de algo, há formas que hoje tentamos para que as coisas permaneçam", sumarizou.

A instalação assenta-se na fotografia, que capta a digitalização de fragmentos restantes de estátuas derrubadas ou destruídas por motivos políticos, depositadas em museus de Portugal, Áustria, Bulgária e Alemanha, recorrendo maioritariamente ao museu Bode, em Berlim - um museu de escultura e de arte do leste europeu, sobretudo de influência bizantina -, procurando levantar questões sobre o estatuto da arte em obras semidestruídas.

"Temos de perceber que há diferentes formas de ver a aura. As réplicas, hoje em dia, reforçam o original ou o seu desaparecimento. Algo pode já não existir -- o original --, mas continuará a existir e será mais valioso porque existe uma réplica ou um culto em torno do seu desaparecimento. É o que vivenciamos neste momento, porque a aura já não interessa", considerou.

Maria Trabulo continuou o pensamento argumentando: "quanto mais viral" é uma obra, melhor. E voltou a questionar o "interesse de se fazer com que as peças retornem na sua exata forma antes [da destruição] da II Guerra Mundial".

"Se calhar contam uma história que é diferente, ou uma conversa diferente, não sendo o que eram, porque há histórias que não podemos nem precisamos de apagar. É um projeto que pega no património cultural e artístico de uma nação, neste caso de Berlim, que serve para falar de uma questão corrente, que é a destruição de património, e falo sobre isto a partir de uma questão de ser possível esquecer hoje em dia. É falar sobre esquecimento para falar sobre como lembramos e como, se calhar, é mesmo impossível esquecer", defendeu.

No local, estiveram também presentes os três outros finalistas do concurso, que fizeram uma breve apresentação sobre cada um dos temas, com Ana Linhares a exteriorizar o seu projeto relacionado com a memória da herança colonial portuguesa, numa projeção de vídeo, texto e fotografias.

Por seu lado, Carlos Arteiro apresenta uma proposta diretamente ligada ao movimento italiano Commedia dell'arte, do século XVI, um teatro de improvisação cuja "herança profissional parece ser mais uma herança de identidade", procurando uma ligação entre o "planeamento extremo e a improvisação".

Por último, o coletivo Sem Título 2018 divulgou a instalação "Vento", o resultado da fusão dos três artistas que o compõem, estudantes de fotografia, biologia e cenografia, que misturaram "as identidades e pensamentos que fazem um espaço", neste caso o mercado municipal de Matosinhos, onde têm o seu ateliê.

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