O processo de privatizações desenvolvido em Portugal no final dos anos 80 foi, por um lado, motivado pela necessidade de reestruturar o papel do Estado na economia e, por outro, de assegurar o pagamento das verbas devidas ao Estado português a título de indemnizações pelas nacionalizações desenvolvidas na sequência do período revolucionário de 1975..Duas décadas depois prepara- -se em Portugal, com motivações estruturalmente distintas, um novo movimento de privatizações. De facto, foram razões de natureza estritamente financeira que motivaram o Estado português a assumir, no Memorando de Entendimento ("Memorandum of Understanding" - MoU) e no Contrato de Financiamento assinado com o Banco Central Europeu, com a Comissão Europeia e com o Fundo Monetário Internacional, a obrigação de desenvolver um processo que conduzirá à alienação das principais participações sociais por si detidas..Contudo, se é certo que as motivações financeiras que justificam o processo de privatizações em curso não podem de modo algum ser esquecidas, a verdade é que não podem também deixar de ser tomadas em consideração neste processo um conjunto de questões de relevante interesse estratégico para a economia nacional..O desenvolvimento do processo de privatização do capital de empresas como EDP, REN, TAP, ANA - Aeroportos de Portugal, CP Carga, Galp e CTT terá necessariamente de levar em consideração a circunstância de estas empresas desempenharem serviços públicos fundamentais. É determinante que a sua privatização salvaguarde condições para que esses serviços continuem a ser prestados sem interrupção, mantendo as condições de essencialidade, de universalidade de acesso e de qualidade. .As empresas a privatizar, por força da sua dimensão corporativa, têm demonstrado uma enorme capacidade de abrir oportunidades e mercados a pequenas e médias empresas nacionais, desempenhando um papel estratégico e polarizador de oportunidades, permitindo que várias empresas portuguesas desenvolvam caminhos rumo à sua internacionalização. Num tempo em que a internacionalização da economia portuguesa é um imperativo nacional, tal circunstância não pode ser ignorada..Devem, por isso, as operações de privatização obedecer a uma clara estratégia de afirmação e crescimento da economia portuguesa e de salvaguarda de um conjunto de princípios centrais para a nossa afirmação no mundo e não obedecer apenas a uma lógica financeira. .O modo como o Governo conduzirá o processo de privatizações é determinante para se entender a visão que tem do Estado e da forma como pretende gerir as suas relações com os privados. Será essencial para formular conclusões nesse domínio perceber se, não obstante a privatização ,o Estado irá continuar a deter direitos especiais nas empresas e condicionar o seu percurso ou se, pelo contrário, contribuirá para a criação de um ambiente competitivo, sem posições dominantes e sem proteccionismos..O processo de privatização em causa significará o fim de monopólios públicos, acarretando por isso a necessidade de salvaguardar a saudável concorrência e os interesses dos consumidores. Por outro lado, afigura-se essencial afirmar de forma efectiva a função de regulação que se exige neste contexto que o Estado desenvolva e exerça. .Por fim, será determinante reflectir sobre o modo como se processará a venda das participações sociais. Neste domínio pode o Governo optar por alienar a totalidade da empresa ou, pelo contrário, reestruturá-la e ceder as posições agrupadas em áreas de negócio. Deste modo, garantiria um maior dinamismo económico, permitindo maior concorrência e proporcionando a oportunidade real de grupos portugueses concorrerem às operações de privatização. .Importante será ainda perceber se as operações de privatização se processarão em bolsa, o que aumentaria a transparência das operações, permitiria que o Governo proporcionasse à generalidade dos pequenos e médios investidores a possibilidade de investirem as suas poupanças em empresas estratégicas nacionais, tal como sucedeu no movimento de privatizações dos finais de 80 e década de 90..O processo de privatizações em curso assume uma extraordinária importância para o nosso futuro colectivo, não só pelo encaixe financeiro que significará mas sobretudo porque dele poderão surgir novas e interessantes oportunidades para as empresas por- tuguesas. É essencial para a salvaguarda do nosso futuro colectivo não o desperdiçar.