Posters de artistas ocupam paredes sujas de Marvila

O escritor Valter Hugo Mãe e a artista Wasted Rita estão entre os autores dos 25 posters que, até 7 de julho, estão na rua.
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Todas as janelas daquele armazém na rua Fernando Palha, em Lisboa, estão tapadas com tijolos vermelhos, para evitar que alguém entre no enorme edifício desocupado. Todas menos uma. No primeiro andar, há uma rapariga a espreitar na janela. Está descalça e tem um gato preto. Parece estar a apanhar sol, a tentar ver o rio Tejo do outro lado da rua. Ou pelo menos é assim que a imagina o arquiteto Pedro Campos Costa, o autor do poster que está colocado sobre os tijolos que tapam a janela.

Este é um dos 25 cartazes que integram a mostra pública Poster, que ocupa algumas das principais ruas de Xabregas e Marvila. Trata-se de uma iniciativa da agência criativa Departamento que, como explica um dos seus diretores, Bruno Pereira, "é uma agência que trabalha com eventos culturais de acesso livro. E ser de acesso livro é algo importante para nós, queremos ser como um amplificador de cultura". Sendo uma antiga zona industrial que foi praticamente deixada ao abandono durante anos, Marvila, com as suas fábricas desativadas e armazéns fechados, começa a ganhar cada vez mais adeptos entre os artistas e os jovens que procuram espaços de trabalho a preços acessíveis, o Departamento pensou que seria boa ideia criar um evento que "fizesse uma ponte entre a população local e os criativos que estão a chegar aqui". No novo sítio cool de Lisboa, os prédios devolutos estão a dar lugar a restaurantes caros, ateliers, galerias de arte e espaços de escritório - e esta mostra pretende aproveitar este momento de transição, em que ainda é possível ocupar as paredes sem grandes problemas.

"Quando eu era puto e tinha uma banda de punk, o poster era aquela maneira fácil de comunicar. Fazíamos a cola com vinagre e farinha e colávamos os cartazes em qualquer lugar", conta Bruno Pereira. Estes posters que estão agora nas paredes dos Armazéns Abel Pereira da Fonseca são grandes (1,80m x 1,20m), tão grandes quando os posters que anunciavam o circo quando éramos pequenos, maiores do que os posters "da Samantha Fox e do Kurt Cobain que forravam as paredes do quarto". O patrocínio da Staples permitiu a impressão de todos os cartazes com a qualidade necessária para a exposição.

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Foram convidados 20 artistas e ainda houve mais cinco projetos escolhidos através de um open call. "Cada artista teve a liberdade de fazer o que quisesse", garante Bruno Pereira. O desafio foi feito a artistas, fotógrafos, designers, ilustradores, mas também a arquitetos e até a escritores. "Achámos graça por ser completamente inusitado, gostamos de pôr as pessoas a fazerem coisas fora do seu formato habitual." José Luís Peixoto propõe um cartaz branco com letras maiúsculas: "Se estás a ler estas palavras é porque estás vivo". Já Valter Hugo Mãe optou pelas suas habituais minúsculas e lançou o slogan: "amor para que comece". O escritor Gonçalo M. Tavares juntou-se ao atelier de arquitetura And-Ré para nos perguntar "o que ouvem as paredes? que segredos guardam?". Já Afonso Cruz, que além de escritor é também ilustrador, fez um poster que chama a atenção para o impacto da tecnologia na nossa vida (seremos "marionetas sem fios"?).

Entre hoje e domingo, haverá visitas guiadas (sexta-feira às 19:30, sábado às 17:00 e domingo às 15:00) gratuitas. Nem sempre é fácil encontrar os posters, é preciso andar de nariz no ar e olhos atentos. Mas vale a pena procurar a ironia de Wasted Rita, o poster do atelier Artéria & Rui Pinheiro ("Zona de resiliência urbana"), da fotógrafa Leonor Ribeiro, do músico The Legendary Tigerman (que também faz fotografia) ou do artista Rui Toscano. O artista e ilustrador Craig Atkinson (Reino Unido) foi um dos artistas estrangeiros que aceitaram este desafio, assim como John Trashkowsky ou Edik Katykhin.

Há até um poster de um artista que já morreu - um fotografia de Eduardo Harrington Sena, escolha do curador da exposição por "ter tudo a ver com a zona industrial onde estamos".

Esta manhã, um dos posters - o de Nicolae Negura - tinha sido roubado. "Faz parte", comentou o responsável, garantindo que este, tal como outros que possam desaparecer entretanto, será substituído.

No túnel por baixo do edifício que há de ser, em breve, o anunciado "maior co-work da Europa", estão reunidos todos os posters, em formato mais pequeno, e ainda aqueles que foram realizados nas últimas semanas com alguns instituições que trabalham com jovens no bairro. Quem quiser, poderá comprar uma cópia deste mesmo tamanho, de alguns dos posters por apenas 15 euros.

Mais informações através do site www.postermostra.com.

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