Portugueses presentes na "Revolução de Veludo" regressam a Praga 30 anos depois

Lisboa, 23 abr 2019 -- Os portugueses que acompanharam o início da "Revolução de Veludo" na extinta Checoslováquia regressam a Praga durante esta semana para recordar os acontecimentos 30 anos depois e participar em diversas atividades.
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Em outubro de 1989, um grupo de jovens que incluía Álvaro Beleza, então presidente da Associação de Jovens Médicos, José Pedro Aguiar-Branco, na ocasião vice-presidente da Associação de Jovens Advogados, o médico Diogo Cabrita, o presidente dos jovens agricultores José Campelo, o presidente dos jovens empresários Paulo Barros Vale, e o presidente da Associação Académica de Coimbra, José Viegas, entre outros, rumaram a Praga por via aérea para se solidarizaram com o início das mobilizações populares que, cerca de dois meses depois, conduziam à queda do regime comunista do secretário-geral do Partido Comunista Checoslovaco, Milos Jakes e do Presidente Gustav Husak.

Nas celebrações dos 30 anos da "Revolução de Veludo", o mesmo grupo regressa a Praga para participar num conjunto de iniciativas que decorrem a partir de sexta-feira, com uma atuação do orfeão de Coimbra na Praça Venceslau, centro da capital checa, numa homenagem ao estudante Jan Palach, que se imolou no local em janeiro de 1969 num protesto político contra o fim da Primavera de Praga na sequência da invasão militar pelas forças do Pacto de Varsóvia.

Na ocasião também vão ser distribuídas rosas, num gesto semelhante ao que os jovens portugueses protagonizaram há 30 anos, referiu à Lusa a partir de Munique Álvaro Beleza, que optou por se deslocar de carro e na sexta-feira estará presente no início das celebrações acompanhado por José Viegas.

Na segunda-feira, já na presença de José Pedro Aguiar-Branco, Diogo Cabrita, Paulo Barros Vale e José Campelo -- "que conseguiu assegurar as 50.000 rosas" distribuídas "em outubro de 1989", precisa Álvaro Beleza --, será inaugurada a exposição "Cravos e Veludo" no Museu municipal de Praga, uma parceria entre esta instituição checa, o Museu nacional de Arte Contemporânea (MNAC) e a Fundação Serralves.

Trata-se de uma alegoria às duas revoluções, do 25 de Abril de 1974 e à "Revolução de Veludo" de 1989, e que deverá ser exibida em Portugal em 2020.

Antes, a delegação tem prevista uma deslocação ao ministério dos Negócios Estrangeiros e ao parlamento. O dia termina com uma receção na embaixada de Portugal.

Para terça-feira o programa prevê uma deslocação à Universidade Carolina para um encontro com estudantes e o reitor, e no final do dia um debate na Biblioteca Václav Havel com a presença da delegação portuguesa.

Recuando no tempo, em outubro de 1989, no início dos protestos em Praga e a poucas semanas da queda do Muro de Berlim, este grupo de jovens, já envolvidos na atividade política e conotados entre o centro-esquerda e o centro-direita, observam na CNN estudantes de Praga a ofereceram flores à polícia durante os protestos.

Decidem partir. Contactam com os então primeiro-ministro Cavaco Silva e o Presidente Mário Soares, que apoiam a indicativa e garantem um mínimo de segurança nesta deslocação "arriscada".

Já em Praga, no decurso de uma manifestação organizada pelo Fórum Cívico checo para receber os portugueses, e perante milhares de pessoas na Praça Venceslau, distribuem as 50.000 rosas que conseguiram assegurar.

Ganham popularidade. Álvaro Beleza discursa em inglês, para manifestar o "apoio dos jovens portugueses, o apoio do povo português, e construir uma autoestrada da liberdade entre Praga e Lisboa".

Esta concentração foi gravada pela cadeia norte-americana CNN, e a frase ficou célebre. Álvaro Beleza revelou em anteriores declarações que a ideia da "autoestrada da liberdade entre Lisboa e Praga" partiu de Diogo Cabrita, que redigiu o texto para a sua curta intervenção durante a concentração em Praga.

"Esperamos que a vossa luta não seja apenas a luta da Checoslováquia, mas seja a luta da Europa. Somos todos uma grande família, portugueses, checoslovacos e todos os europeus", disse ainda no seu discurso.

Os jovens portugueses acabam por ser recebidos por Havel, e garantem um contacto telefónico entre o futuro Presidente checo -- tomará posse em 31 de dezembro de 1989 -- e o então Presidente Mário Soares.

"Regressámos com o Mário Soares, que ficou amigo de Havel, para a tomada de posse. Arranjámos um Renault 21 com matrícula portuguesa iniciada por UL... e tomou posse transportado por um carro 'português', porque Havel não queria ser empossado chefe de Estado transportado por um carro soviético", assinala Álvaro Beleza.

Os protagonistas desta aventura política também recordam Václav Havel como um escritor e dramaturgo relevante, um dissidente do regime detido um por diversas vezes, no período mais longo entre maio de 1979 e fevereiro de 1983, que contribuiu para agravar os seus problemas de saúde.

Símbolo do combate pela liberdade, que "nunca é um dado adquirido" como este grupo de amigos gosta de recordar, e antes da sua morte em 2011, aos 75 anos, Havel ainda teve oportunidade de se deslocar por diversas vezes a Portugal, tendo mesmo comprado uma casa de férias no Algarve. Um país que sempre recordou, e onde deixou amigos que também influenciaram a "Revolução de Veludo" de 1989.

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