Porque diminui o investimento chinês na Europa (III)

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Vimos em anteriores artigos que em 2022 o IDE na Europa originário da China caiu para US$ 8,7 mil milhões, tendo essa queda continuado no primeiro trimestre de 2023.

Referimos então algumas das causas -- umas endógenas à China (as políticas de covid-zero; restrições aos fluxos de saídas de capital; a política de desalavancagem financeira; a repressão pelo governo chinês das suas maiores empresas de tecnologia), outras decorrentes da conjuntura internacional (a instabilidade decorrente da guerra na Ucrânia; incerteza provocada pela política americana de decoupling) -- e demos conta da mudança na opinião pública europeia relativamente à China.

Em consonância com esta nova tendência desfavorável da opinião pública europeia, e receosa de um "rival sistémico" em ascensão que ainda não abriu o seu mercado em igualdade de condições às empresas europeias, a Comissão Europeia e governos de vários países europeus introduziram regras que restringem o investimento estrangeiro na UE, tendo em mente principalmente empresas chinesas, máxime estatais. De acordo com o mencionado relatório recente MERICS-Rodhium, uma das principais razões para o baixo IDE na Europa originário da China em 2022 foi um maior escrutínio dos investimentos chineses pelos governos europeus, com vista a diminuir a sua dependência económica da China. Medidas mais rígidas de triagem de investimentos afetaram as aquisições chinesas de ativos estratégicos, como empresas europeias de semicondutores e infraestruturas críticas. Os pesquisadores do MERICS-Rodhium apuraram que, pelo menos 10 das 16 intenções de investimento a realizar em 2022 por entidades chinesas, não puderam ser concluídos nos setores de tecnologia e infraestruturas, principalmente por causa de objeções levantadas pelas autoridades do Reino Unido, Alemanha, Itália e Dinamarca.

De acordo com o relatório mencionado, vários dos negócios abortados, como propostas de aquisição de semicondutores na Alemanha (aquisição proposta pela "Sai MicroElectronics" dos ativos de chips automotivos da "Elmos Semiconductor") e no Reino Unido (compra pela "Super Orange" de Hong Kong da empresa de design eletrónico "Pulsic"), foram bloqueadas após análises sobre a tecnologia específica visada pelo investidor chinês. Noutros casos, acordos já fechados foram anulados (anulação pela Itália da venda de um grupo de drones militares, "Alpi Aviation", para empresas estatais chinesas) ou fracassaram após a imposição de estipulações regulatórias, acrescenta o relatório.
Esses mecanismos de revisão sobre M&A relevantes em setores estratégicos, tecnologias sensíveis e energia deverão ser expandidos em 2023 e ser aplicados também na Bélgica, Estónia, Irlanda e Países Baixos.

De qualquer forma, embora a triagem de investimentos chineses na Europa tenha aumentado, a região ainda permanece mais aberta politicamente à China do que os EUA, que reprimiram as importações de baterias chinesas e impuseram outras restrições às empresas chinesas através do Inflation Reduction Act.

O investimento chinês na Europa está direcionado agora para setores onde os conglomerados privados chineses são altamente competitivos, como o da mobilidade elétrica, mais precisamente a cadeia de valor de veículos elétricos (EV) -- tanto em fábricas de baterias elétricas (também conhecidas como gigafactories) quanto em fábricas de EV -- ou setores voltados para produtos para o consumidor, como jogos de vídeo ou produtos para a casa.

O setor líder para o investimento chinês na Europa, em 2022 e provavelmente nos próximos anos, é o da mobilidade elétrica. À medida que a Europa se torna o segundo maior mercado de EV do mundo depois da China, as empresas chinesas que produzem baterias elétricas e EV querem usar a sua experiência neste setor estratégico para conquistar uma parcela do mercado europeu. A Europa possui uma boa infraestrutura de carregamento e generosos subsídios governamentais para compra de EV, desenvolvidos dentro de uma clara política pública de transição energética visando a descarbonização do transporte rodoviário.

Além disso, ao contrário de outros grandes centros de mobilidade elétrica (como Japão ou Coreia do Sul), a Europa tem poucas gigafactories ou empresas que fabriquem componentes de baterias e, portanto, ainda está aberta ao investimento chinês nesse setor. Se a aposta das fábricas de baterias elétricas é clara e inclui quase todos os grandes grupos chineses do setor, o mesmo não se pode dizer dos principais fabricantes chineses de EV. Cada mês que passa há mais EV chineses certificados na EU, devendo em breve existir um número significativo de EV fabricados na China e certificados na EU. A história económica ensina-nos que a atual fácil certificação na UE de EV fabricados na China provavelmente não durará muito, sendo provável que, com base em obstáculos não tarifários, seja imposta uma nova política de "Fortaleza Europa" no setor dos EV. Muitos relevantes fabricantes chineses de EV ainda não perceberam isso.


Consultor financeiro e business developer
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