Personagens criadas em 'estaleiro' com vídeo ao fundo

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O público que vá ao pequeno auditório do CCB, hoje e amanhã, ver Improviso Encenado por João Canijo (18.00), terá, a cada momento, de escolher entre o vídeo projectado no ecrã e a performance simultânea, no palco, de Rita Blanco e Vera Barreto. "É assim como na vida, em que sucedem diferentes coisas ao mesmo tempo e a nossa atenção tem de seleccionar", exemplifica, ao DN, o cineasta e encenador.

Improviso Encenado é um estaleiro do Festival Temps d'Images, cuja secção portuguesa decorre em vários espaços de Lisboa até dia 18. A ideia de estaleiro envolve criadores de diferentes áreas em projectos que incluam, necessariamente, imagem. Depois da documentarista Luciana Fina e de cineastas como Pedro Costa ou João Botelho, nas edições anteriores, o festival desafiou para o palco o realizador de Sapatos Pretos e Noite Escura, que concebeu a "encenação de um improviso filmado", reunindo a sua mais constante actriz, Rita Blanco (desde o filme de estreia comum, há 20 anos, Três Menos Eu), e Vera Barreto, sua aluna na ACT, que improvisam situações, há mês e meio, como mãe e filha. Para a jovem, o mais difícil foi "a criação de intimidade para passar à improvisação".

Rita Blanco diz-nos que se trata apenas do "embrião dum processo de trabalho, num jogo" cujas intervenientes vão ensaiando "como chegar a personagens por improvisações, a partir das relações criadas" e capazes de "entrar em qualquer texto", no que "seria o princípio dum trabalho teatral". Trata-se, pois, do processo oposto à criação normal no teatro, que parte do texto e da sua interpretação para a criação das personagens.

Há então um filme com aproximadamente 25 minutos, diante do qual, num palco com apenas duas cadeiras, as actrizes dizem "quase a mesma coisa mas em momentos diferentes, implicando a consciência do espaço todo em volta, que é a graça de se estar em palco", descreve Rita Blanco, sublinhando a dificuldade do trabalho por ser impossível uma pessoa "abstrair--se do texto ouvido no filme".

Ao vivo, estão já a "reproduzir texto fixado e não mais a improvisar", explica João Canijo, para quem esta experiência tem funcionado como uma aproximação aos métodos utilizados "pelos senhores do cinema" que mais aprecia, Mike Leigh e John Cassavettes. Como um teste, para provar a si mesmo "que era capaz de funcionar assim" e com "um grande trabalho de actrizes por trás: quanto mais elaborado, mais verdadeiro, como se as cenas fossem do real".

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