Paulo Gonçalves. Do FC Porto e do Boavista a homem de confiança de Vieira
Paulo Casimiro de Jesus Leite Gonçalves, 49 anos, chegou ao Benfica em 2007, convidado por Luís Filipe Vieira para o cargo de assessor jurídico da SAD, a conselho de José Veiga, cargo que deixou esta segunda-feira, 11 anos depois, na sequência das acusações que lhe são imputadas pelo Ministério Público no caso e-toupeira.
Antes, o advogado (tirou o curso de Direito na Universidade Católica do Porto) teve um passado ligado a dois clubes do norte: primeiro ao FC Porto, onde esteve dois anos (de 1997 a 1999) e saiu devido a incompatibilidades com o administrador Adelino Caldeira e o presidente Pinto da Costa - era visto como alguém próximo de Alexandre Pinto da Costa, filho do líder portista. E depois ao Boavista, onde chegou em 2000 e esteve até 2006, por convite de João Loureiro, ocupando o cargo de diretor geral do clube. José Guilherme Aguiar, antigo dirigente portista, chegou um dia a dizer que era "ferrenho e fanático do FC Porto".
"Eu conhecia o Paulo Gonçalves, apenas e tão só, como amigo de Alexandre Pinto da Costa. A mulher dele foi instrutora de processos da Comissão Disciplinar da Liga. Tive sempre o Paulo Gonçalves - e ele próprio o disse - como um portista ferrenho e fanático", revelou Guilherme Aguiar em junho de 2017 ao site Bancada.
Paulo Gonçalves iniciou funções no Benfica em 2007, já depois de o seu nome ter chegado a ser ventilado para diretor executivo da Liga. Inicialmente o seu papel na Luz era mais direcionado para redigir os contratos dos jogadores que eram contratados, mas a sua esfera de ação alargou-se e chegou mesmo durante vários anos a representar o Benfica nas reuniões da Liga e a ser conhecido como braço direito de Luís Filipe Vieira.
O advogado começou a ver o seu nome implicado em polémicas em 2017, quando Francisco J. Marques, diretor de comunicação do FC Porto, começou a revelar os conteúdos de alegados emails internos do Benfica onde Paulo Gonçalves era citado. No início deste ano, Paulo Gonçalves foi constituído arguido no caso do emails. Na altura, colocou o seu cargo à disposição, mas a SAD recusou, manifestando solidariedade com o seu assessor jurídico.
No início deste mês, o Ministério Público acusou a SAD do Benfica de 30 crimes no processo e-toupeira e Paulo Gonçalves de 79 crimes, por comportamentos suscetíveis de afetar a verdade, a lealdade e a correção da competição e do seu resultado na atividade desportiva.
Paulo Gonçalves foi acusado de um crime de corrupção ativa, um de oferta ou recebimento indevido de vantagem, seis de violação de segredo de justiça e de 21 crimes de violação de segredo por funcionário, em coautoria com os arguidos Júlio Loureiro e José Silva (ambos funcionários judiciais). E ainda de 11 crimes de acesso indevido (em coautoria), de 11 crimes de violação do dever de sigilo (em coautoria) e 28 crimes de falsidade informática.
Na acusação, o Ministério Público refere que Paulo Gonçalves, enquanto assessor da administração da Benfica SAD, e no interesse da SAD, solicitou a funcionários judiciais que lhe transmitissem informações sobre inquéritos, a troco de bilhetes, convites e merchandising.
Segundo o despacho do procurador do MP Valter Alves, do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa, tais processos "incidiam sobre investigações na área do futebol ou a pessoas relacionadas com este desporto, designadamente inquéritos em curso e em segredo de justiça, em que era visada, ou denunciante, a Sport Lisboa e Benfica -- Futebol SAD, ou os seus elementos".
Os processos pesquisados pelos dois funcionários judiciais, através da plataforma informática Citius, abrangiam também casos "relativos a clubes adversários e seus administradores ou colaboradores".
No inquérito, o MP concluiu que, uma vez na posse de tais informações, pretendiam Paulo Gonçalves e a Benfica SAD antecipar diligências processuais em que seria visada a Benfica SAD e seus membros, ou obter informações sobre adversários, ou ainda informações antecipadas de decisões judiciais "tudo em benefício da SL Benfica - Futebol SAD".
"Também em benefício e no interesse da SL Benfica -Futebol SAD, Paulo Gonçalves e a Benfica SAD, foram oferecendo, pelo menos, nas épocas desportivas 2016/2017 e 2017/2018, e até 03 de março de 2018, convites e produtos de merchandising a Júlio Loureiro, de forma a criar condições de permeabilidade por parte deste observador de arbitragem, tendo em vista decisões favoráveis, conhecimento privilegiado de informações desportivas e de pessoas e contactos ligados à arbitragem", descreve a acusação do DIAP de Lisboa.
Como recompensa, adiantou o MP, os dois funcionários judiciais receberam da Benfica SAD, através de Paulo Gonçalves, ou algum intermediário deste, "convites e bilhetes para assistirem gratuitamente a jogos de futebol no Estádio da Luz, em Lisboa, designadamente no 'Anel VIP', incluindo acesso a lounge com comida e bebida e parqueamento automóvel".
Após ser conhecida a acusação do Ministério Público, Luís Filipe Vieira reafirmou a legalidade do comportamento da Benfica SAD através de uma curta declaração lida no Estádio da Luz, com os administradores da SAD ao seu lado. Mas em nenhum momento se referiu a Paulo Gonçalves. A semana passada, o jornal A Bola já tinha noticiado que Paulo Gonçalves estaria de saída. A decisão foi tornada oficial esta segunda-feira.
"A Sport Lisboa e Benfica - Futebol, SAD vem comunicar que, por proposta de Paulo Gonçalves, celebrou hoje um acordo para a cessação do contrato de trabalho", garantindo que a proposta partiu do assessor jurídico e que na base da decisão estão "razões de natureza pessoal, em especial a necessidade de se dedicar à sua defesa num processo judicial" e "em nada" relacionadas "com o exercício de funções que lhe estavam confiadas".