Um dos mitos da política portuguesa é aquele que retrata Pedro Passos Coelho como um homem frio e alheio às emoções humanas. O próprio nunca se importou nada com isso - nem ele nem os marqueteiros que o ajudaram a construir a sua imagem pública. Gerir uma situação de rutura como aquela que teve de gerir a partir de 2011 exigia coração de pedra, cabeça fria e nervos de aço. Parecer hesitante teria sido nessa altura o pior sinal de Passos. Com as devidas (e enormes) distâncias: a Segunda Guerra Mundial poderia ter durado muito mais se no princípio, em 1939, os britânicos - os únicos que então sobreviviam à avalanche nazi - tivessem um líder choramingão. Não sendo imune ao sofrimento humano - "sangue, suor e lágrimas", prometeu ele -, Churchill pediu uma firmeza maior do que a vida. E isso foi decisivo para o seu povo não sucumbir..Voltando a Passos: a frieza é a sua imagem de marca - mas cada vez mais parece que é mesmo só isso e nada mais do que isso. Basta olhar para a relação do líder do PSD com o Presidente da República para perceber que todo o seu discurso, no que se relaciona com Marcelo, está completamente tolhido pela emoção. Os dois zangaram-se há 20 anos, no congresso em que Marcelo foi eleito pela primeira vez líder do PSD, e ninguém (exceto porventura os dois) percebeu porquê. Nunca mais se reconciliaram. Temos aqui um verdadeiro ódio de estimação, que se tem agravado nos últimos tempos, com os dois a trocarem permanentemente farpas no espaço público. A coisa foi ao ponto de, no discurso do 25 de Abril, Marcelo recordar a Passos que a legitimidade do seu mandato não depende de "eleições intercalares" - ou seja, ele não depende, como o líder do PSD, das próximas autárquicas. Vimos todos as dificuldades com que o líder do PSD aplaudiu o Presidente nesse discurso..Como aqui já se escreveu, o sistema político desequilibra-se demasiado para um dos lados se, em relação ao governo, o Presidente o apoiar de mais e exigir de menos, como está notoriamente a fazer. Mas verdadeiramente é-lhe difícil pedir outra coisa se o líder do PSD insistir em marcar distância entre si e o "Dr. Rebelo de Sousa" - o que tem como automática consequência atirá-lo sistematicamente para o colo do primeiro-ministro. Mais a mais quando isso resulta de questiúnculas pessoais entre os dois nascidas sabe-se lá porquê..Conviria portanto ao líder do PSD que fizesse jus à sua imagem de homem frio e pouco dado a estados de alma, sintonizando-se com o novo tempo que se vive e percebendo que não há esforço mais inglório para um líder da oposição do que enfrentar um Presidente da República - ainda por cima do seu partido - em início de mandato. Menos "emoção" e mais "bom senso", pediu Marcelo no discurso do 25 de Abril. Passos que leia o apelo como uma proposta de tréguas - e assim talvez não se tenha de queixar tanto da lua-de-mel do Presidente com o primeiro-ministro.