Pedro Rapoula, 35 anos, anda numa roda-viva. A noite de domingo já caiu sobre Bogotá e ele ainda nem começou a cozinhar o jantar com que vai receber o novo grupo de amigos, quase todos seus compatriotas. Pedro é conselheiro cultural da embaixada portuguesa e chegou à cidade há dois meses. Antes, tinha trabalhado sete anos no Palácio de Belém, como assessor cultural de Aníbal Cavaco Silva. «O facto de Portugal ser o país convidado da feira do livro e o anúncio da visita do presidente à Colômbia criaram esta oportunidade de vir para aqui, porque a embaixada precisava de gente para preparar as coisas no terreno.» Já tinha visitado o país, mas nunca tinha considerado realmente a hipótese de se mudar para a América do Sul. «Em janeiro convidaram-me e eu disse que não. Em fevereiro convidaram-me outra vez e aí eu disse que sim. O ambiente em Portugal estava a tornar-se um peso, eu não queria isso para a minha vida. Por isso pensei: é agora ou nunca.».Os convidados começam a chegar, há gargalhadas e a conversa flui descontraída. Daí a pouco hão de ser servidos pastéis de bacalhau, queijo da serra e uma massada de marisco. À mesa sentam-se Leonel Santos, um engenheiro que trabalha para uma empresa de minas espanhola, Ana Centenário, uma professora de Matemática sem colocação em Portugal e que agora presta serviço na embaixada, Miguel Monteiro, diretor de uma agência financeira, e Sílvia Jardim que, ao mudar-se de Madrid para Bogotá, deixou a vida da alta finança e passou a dedicar-se à produção cinematográfica. Estão todos entre os 30 e os 40. Tiraram cursos superiores. Ninguém chegou há demasiado tempo e ninguém sabe muito bem quanto tempo ficará em Bogotá..Dificilmente haverá outra geografia no mundo que simbolize de maneira tão evidente a sangria do talento português. Lisboa e Bogotá não constituem, em boa verdade, um eixo da emigração tradicional. Ao contrário do que acontecia nos anos sessenta, estes emigrantes saem de áreas urbanas e levam na bagagem hábitos de consumo cultural, visões informadas do mundo, um elevado nível educacional. Até há três anos, o número de portugueses na Colômbia era residual mas, desde então, cresce anualmente 32 por cento, segundo a embaixada. Hoje calcula-se em mais de 1300 o número de cidadãos registados. «Há que ter em conta que as pessoas são um pouco avessas a formalizar os registos», graceja Ana Centenário. «A maioria só se inscreve na embaixada quando precisa de papéis.» As estatísticas, muito provavelmente, pecam por escassez..Quem chega traz consigo valências técnicas e, na esmagadora maioria dos casos, ninguém vem sem emprego assegurado. «O nível de vida é surpreendentemente caro», diz Pedro Rapoula, «Alguém que se lance sem rede pode muito bem cair e aleijar-se. A única coisa que Bogotá tem de El Dorado é mesmo o nome do aeroporto.» Pedro pode ter razão, mas ninguém consegue negar que o país vive um momento extraordinário. A Colômbia é a quarta maior economia da América Latina, atrás de Brasil, México e Argentina. Tem reservas minerais extraordinárias, nomeadamente ouro, petróleo e carvão. As previsões de crescimento para 2013, segundo o Banco Central, situam-se entre quatro e cinco por cento, depois de nos últimos anos terem sido de seis por cento. .As fragilidades continuam a ser a segurança e o narcotráfico, ainda que na última década os problemas se tenham atenuado. Álvaro Uribe cumpriu dois mandatos presidenciais de combate cerrado à guerrilha e o executivo de Juan Manuel Santos, na presidência há dois anos, negoceia por estes dias em Havana um tratado de paz com as FARC, cuja agenda inclui um programa de conversão das plantações de coca em campos agrícolas. Os portugueses que vivem em Bogotá, no entanto, têm casas inevitavelmente vigiadas por seguranças. Alguns, sobretudo os que ocupam cargos de topo, também têm guarda-costas..Assumir o romance.A 17 de abril abre portas em Bogotá a segunda maior feira do livro da América Latina (a maior fica em Guadalajara, no México) e, como já se viu, Portugal é o país convidado. Há alguma curiosidade pelo lançamento de um novo livro de Saramago, A Estátua e a Pedra, em edição bilingue. Uma vintena de escritores lusófonos viajará para a capital colombiana e a obra de Fernando Pessoa deverá estar em destaque, visto que o comissário da representação portuguesa, Jerónimo Pizarro, é um pessoano nascido na Colômbia, mas com muitos anos de Portugal. O próprio Cavaco Silva, presidente da República, devolverá a visita de Estado que Juan Manuel Santos fez a Lisboa em novembro, para inaugurar a feira. Levará consigo uma comitiva de empresários, ministros e jornalistas. «Há uma verdadeira história de amor entre Portugal e a Colômbia, e também ao nível da alta política», diz à Notícias Magazine Luís Armando Soto, diretor de assuntos culturais do Ministério de Relações Exteriores da Colômbia. «E, como eram países que não se conheciam muito bem, podemos dizer que é um amor à primeira vista.».Inês Espinha Cadavid é capaz de ser a exceção à regra. Filha de pai colombiano e de uma linhagem materna de portugueses de Angola, cresceu entre Lisboa e Medellín, a segunda maior cidade colombiana. A rapariga tem 31 anos, nasceu em Moçambique e fala um português perfeito, tanto quanto sabe acentuar um tropicalismo impecável ao seu espanhol. Não é propriamente uma surpresa que tenha estudado Relações Internacionais no Instituto de Ciências Sociais e Políticas, em Lisboa. Agora o que é verdadeiramente desarmante é perceber que esta cidadã portuguesa - depois de ter fundado uma ONG de apadrinhamento de crianças à distância (a Helpo), e depois de ter trabalhado no departamento de comunicação e marketing do semanário Sol - escreve os discursos do presidente da Colômbia..Não é raro que os chefes de Estado tenham uma equipa de escritores fantasma a compor-lhes os textos. «O presidente não pode ir a todos os sítios para onde é convidado. Eu escrevo as mensagens discursivas para todos os eventos de caráter público e de relevância nacional em que ele não pode estar presente.» Além disso, também ajuda a preparar os discursos que Juan Manuel Santos profere. «Somos três. Alinhamos uma primeira versão, que depois é vista e revista pelos ministérios e, em última instância, pelo próprio presidente. Um texto, até estar pronto, dá muitas voltas. E não é uma coisa autoral, é mesmo um trabalho de equipa.» Uma coisa é certa: este ofício dá-lhe uma perspetiva de tudo o que está a acontecer por estes dias na Colômbia. E ela não tem dúvidas: é um país em ebulição..Daniel Aguiar, 30 anos, prefere deleitar-se com toda a calma que a Colômbia reserva. É professor de Português e por paixão gosta de fazer fotografia. Gosta sobretudo de procurar o pormenor em fotografia. Há dias organizou uma exposição com as suas imagens, e quase todas eram sobre flores. A Colômbia é o segundo maior exportador de flores do mundo, tem fama de guardar as mais belas orquídeas do planeta e a câmara deste portuense deixou-se fascinar por tanta delicadeza. Daniel também é leitor no Instituto Camões e dá aulas de Língua e Cultura Portuguesa a 140 alunos na Universidade Nacional de Bogotá. «Em Portugal não teria contrato e tenho a certeza disso porque a maioria dos meus colegas também tiveram de sair para outros países.» Isso não quer dizer que ele esteja em fuga: a sua história com a Colômbia também é um caso de amor. .Daniel conheceu a mulher, uma jornalista de Medellín, em 2005 na Alemanha. «Casámos dois anos depois, no mesmo dia e à mesma hora em que nos tínhamos conhecido.» Por causa desta relação, viajou várias vezes até á Colômbia e, há dois anos, mudaram-se para Bogotá. «Morar aqui mudou-me. Em Portugal mantinha mais as distâncias, agora quando vou ao Porto os meus amigos estranham que esteja sempre aos abraços. É instintivo. Outra coisa é que comecei a cozinhar quando vim para aqui. É a única maneira de continuar a comer comida portuguesa.» Às vezes organiza uns jantares com os alunos. Ou passa filmes de Manoel de Oliveira e fado nas aulas. «E, para não verem só o que é tradicional, mostro-lhes o trabalho de uma banda do Norte, os Fryo.» São amigos do Daniel? «Pois são, sim senhor.».Guia para matar saudades.Na zona norte de Bogotá fica uma das áreas mais abastadas da cidade, o bairro Lisboa. Aqui há condomínios chamados Chiado ou Alcântara e há um edifício com bandeiras das quinas na janela: a Casa Portuguesa. Cristina Matias está a preparar pastéis de nata, é uma das especialidades que amassa para matar saudades de casa. «Antigamente era difícil arranjar bacalhau, a única maneira era importar da Venezuela, onde há uma comunidade portuguesa muito grande. Agora, com esta chegada em massa de pessoas, já se vão encontrando aqueles produtos que antes eram uma raridade.».A escultora nasceu no Porto, mas vive na Colômbia há mais de metade da vida - tem 49, está cá desde os 22. «Quando cheguei, e na maioria dos anos em que aqui vivi, não se viam portugueses. Há cinco anos começou a aparecer mais gente, mas um pouco a conta-gotas. E, de há dois anos para cá, houve um verdadeiro boom.» Foi nessa altura que ela e o marido decidiram abrir uma casa para acolher a comunidade. Ele, um pintor colombiano de modos afáveis, é apaixonado por orquídeas e fado, e isso explica bem o que se passa dentro das paredes. «Damos aulas, organizamos festas, fazemos exposições», explica Alberto Granja. «Misturamos as tradições portuguesas com as colombianas.» .Simão, o filho mais velho do casal, tem nacionalidade dupla. Estuda jornalismo em Bogotá e quer vir viver para Portugal ainda este ano. «Nos últimos tempos tem-se notado mais a presença portuguesa», diz o rapaz. Os Buraka Som Sistema, Mariza ou Mísia já passaram pelos palcos da capital, por exemplo. «Mas a coisa mais espetacular aconteceu em 2011, quando a seleção de futebol sub-20 veio ao Mundial da Colômbia.» Portugal chegou à final e perdeu para o Brasil por três bolas a duas, após prolongamento. «Acompanhei-os sempre que pude, conheci-os a todos. Tenho esta camisola assinada por todos os jogadores.» Vai a correr ao quarto vesti-la e retorna à sala de refeições. Ao lado, a mãe coloca os pastéis no forno..O Dia de Portugal e o 25 de Abril são de festa rija no Bairro Lisboa. «Faço os pastéis de nata e outras pessoas trazem outras coisas típicas, cantamos Zeca Afonso e Xutos & Pontapés», conta Cristina. Vêm muitos portugueses, mas também vêm muitos colombianos. «Porque a nossa ideia é promover a nossa cultura, não é isolá-la.» Tentam perceber as novas tendências artísticas que existem em Portugal e promovê-las a dez mil quilómetros - del otro lado del charco, como dizem os colombianos. «Só temos acesso a um canal de televisão portuguesa, a RTP-Internacional, que tenta responder a um tipo de emigração que aqui nunca existiu. Enfim, muito sinceramente, aquilo é uma parolice pegada.».As notícias sobre Portugal são pescadas na internet, sobretudo aos jornais. «A televisão colombiana acompanha o campeonato português, porque há muitos jogadores no plantel do FC Porto», explica Simão. «Mas as notícias são pouco mais do que alguns ecos da crise. Primeiro fala-se de Espanha, depois da Grécia, e Portugal é uma nota de rodapé.» Ouve-se um trrrim, os pastéis de nata estão cozidos. «Ficaram pouco queimados, a grelha de cima do forno não anda boa», lamenta Cristina, que depois atira um grito. «Alberto, traz o maçarico.» E o marido lá vem, lançando a chama por cima dos doces, para criar uma crosta. A isto se chama uma coprodução luso-colombiana. .Uma nova Polónia?.A aposta das empresas portuguesas na Colômbia já é bem real. O nome mais badalado tem sido a da Jerónimo Martins. A multinacional portuguesa abriu a cadeia de supermercados Ara na região de Pereira, Sul do país, espera ter trinta a quarenta lojas abertas até ao final deste ano e 150 até ao final de 2015. Com um mercado potencial de 45 milhões de habitantes, a Colômbia está a revelar-se cada vez mais como balão de oxigénio para o investimento nacional. Mota Engil, Sonae, Soares da Costa e Teixeira Duarte também já estão no terreno. A Prébuild, um consórcio português de empresas de construção, indústria e serviços, vai juntar-se ao gigante colombiano Grupo Santo Domingo para construir uma unidade fabril de trinta hectares. O investimento, de duzentos milhões de euros, criará 1600 empregos diretos nos arredores de Bogotá..Pedro Vargas é o presidente da Prébuild Colômbia. Aos 28 anos, lidera toda a expansão da empresa para a América Latina. «Queríamos apostar na internacionalização e queríamos expandir para um mercado em desenvolvimento. A América Latina era a escolha óbvia e tentámos o Brasil. Mas o país tem uma política mais protecionista do que a Colômbia e mudámos a agulha para aqui. Bogotá tem um clima de negócios menos burocrático, mais favorável ao investimento estrangeiro.» A criação de um parque industrial é o epicentro de um plano de ataque a toda a América do Sul e Central. «Ao juntarmos tudo, conseguimos criar sinergias fantásticas. Além de que há uma necessidade de quadros qualificados. Temos neste momento vinte engenheiros e gestores no terreno, e é muito provável que o número aumente no futuro.».Pedro Vargas diz que o país entrou definitivamente na moda e tem uma maneira original de explicar essa ideia: «Recebo nos nossos escritórios de Bogotá empresas que querem vir investir na região e pedem conselhos. Pelo menos uma por semana. Há alturas em que parece que tenho um escritório do AICEP [a agência do governo que promove o comércio externo português].» O gestor, filho do eurodeputado social-democrata Mário David, acredita que vai acontecer na Colômbia o que aconteceu há uns anos na Polónia: «Vai fixar-se no terreno uma base sólida de empresas portuguesas, e isso vai preservar uma comunidade lusófona estável no país.».Isso só podem ser boas notícias para Lisandra Nunes, a diretora do Pestana Bogotá, um hotel com 82 quartos no centro da cidade onde os portugueses da Prébuild ficam alojados em regime de longa duração. É a primeira unidade do grupo Pestana na Colômbia, mas não será a última. «Não queremos fazer construções de raiz, mas estamos muito interessados em gerir estruturas que já existam.» Neste momento, garante a gerente brasileira de 29 anos, estão a procurar possibilidades em Medellín, Cali, Bucaramanga e Cartagena de Índias, as principais cidades da Colômbia. .Os portugueses são a maior parte da clientela do hotel. «Constituem trinta por cento dos hóspedes. São pessoas dos 35 aos 50 anos, e vêm maioritariamente em negócios.» Quarenta por cento desses portugueses passam várias semanas hospedados, às vezes mais de um mês. «Depois começam a procurar casa quando as famílias estão para chegar.» No bar servem-se vinhos do Douro e do Alentejo, nos quartos há catálogos com as unidades do grupo em Portugal, alguns cozinheiros que trabalhavam nas Pousadas de Portugal estão agora a mudar-se para Bogotá. «O nosso objetivo é tornarmo-nos uma cadeia de referência nesta região do globo», assume a diretora de caras..Na próxima semana, Cavaco Silva chega à capital colombiana. Convidou 49 empresários para viajarem consigo, mais 22 jornalistas. A isso somam-se os escritores e a imprensa que vai cobrir a presença portuguesa na feira do livro. A meio de abril, Bogotá pode muito bem viver em meia dúzia de dias o que o futuro próximo lhe reserva. Cinco séculos depois, Portugal descobriu outro país.