Palavrões há muitos (mas fora das actas)

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Um dia, quando alguém interessado quiser fazer a história dos palavrões no debate parlamentar português pós-25 de Abril, não encontrará nas actas o (agora famoso) "vai para o c..." disparado anteontem por José Eduardo Martins (PSD) contra Afonso Candal (PS). A acta do debate, a que o DN teve acesso, omite a expressão usada pelo deputado "laranja", apesar de as imagens da TVI a terem indesmentivelmente registado.

Discutia-se no plenário um plano governamental de benefícios fiscais para a compra de painéis solares. José Eduardo Martins tem argumentado que o plano foi feito para beneficiar duas empresas (a Martifer e a Vulcano).

Candal a certa altura disse para Martins: "Sei que a sua preocupação são os contribuintes… Eu sei… Eu sei… Sei que, piamente, esses são os seus interesses… São os contribuintes…"

Martins entendeu a afirmação como uma insinuação ao facto de ser advogado na área ambiental, podendo estar assim no plenário a defender "interesses" de clientes seus: "Quer insinuar alguma coisa?! Diga!"

A conversa segue e a acta do debate só regista parte do aparte final do deputado do PSD dirigida a Candal: "Não voltas a falar assim comigo! Da próxima vez que falares assim comigo…" O resto desapareceu da acta.

Segundo o DN soube junto dos serviços parlamentares, desde finais dos anos 80 que os palavrões estão proibidos nas actas das sessões publicadas no Diário da Assembleia da República.

Até lá encontra-se algum vernáculo. Com uma personagem comum em vários episódios, Francisco Sousa Tavares (1920- 1993), que foi deputado do PS e depois do PSD. Uma vez, em Fevereiro de 1982, até procurou teorizar sobre o que era um insulto e o que não era: "Mandar à merda uma pessoa não ofende ninguém. É uma expressão à antiga portuguesa de uma pessoa que está aborrecida."

António Lopes Cardoso (1933-2000), que na altura deputava pela UEDS, pediu à mesa da AR "critérios objectivos". "É o peso, pejorativo ou não, que em termos de opinião pública tem a linguagem usada que devem ser os critérios da Mesa e não a interpretação de que cada um se socorre, ou seja, se badameco é mais ou menos insultuoso do que anticomunista primário ou se mandar à merda é mais ou menos insultuoso do que dizer 'vá àquela parte'."

Leonardo Ribeiro de Almeida (1924- -2006), do PSD, que era quem na altura presidia ao Parlamento, recusou o desafio, "deixando a escolha dos termos que usam inteiramente à responsabilidade de quem está a exercer as funções de deputado no respeito por este órgão de soberania".|

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