Dona Alice, que é funcionaria pública com dois filhos formados e um marido reformado, sempre votou PS ou PSD. Não fazendo da análise política um modo de estar na vida, Alice sempre se interessou por perceber o fenómeno. Esta semana desistiu, porque descobriu um país das maravilhas onde prevalece a lógica do absurdo..O partido em que votou, ela e um terço do eleitorado, ganhou as eleições mas vive a grande angústia dos derrotados. Somando os votos do PS com os do PSD, em quem tinha votado nas legislativas, dá cerca de 60% (uma maioria clara), mas dizem-lhe que isto significa que o povo está farto deles..Alice sempre entendeu que a democracia não é uma declaração de intenções, mas um sistema que exige compromisso assinado de cruz no boletim de voto. Estranha, por isso, todas as leituras que viu fazer sobre a abstenção, porque nela estão os que andam fartos da política, os que emigraram e até os que morreram mas ainda "estão" eleitores. A abstenção não é pertença de ninguém, não contabiliza a favor de nenhum movimento..Alice estranha análises políticas que lhe parecem absurdas, mas aceita-as como fazendo parte dos interesses particulares. Estando no domínio da retórica política, cada um vê o que quer e analisa como lhe aprouver, mas o que esta funcionária pública verdadeiramente estranha é a lógica do absurdo que tomou conta do Tribunal Constitucional..Alice, funcionária pública, e o marido, reformado, até beneficiaram da decisão dos juízes do Constitucional que lhes repõe uma parte importante do salário e da reforma, mas têm dois filhos entre a população activa, um sem emprego e outro a receber cada vez menos. Alice estranha que, em Portugal, a Constituição apenas permita aumentar impostos e teme pelo futuro dos filhos..Alice sente-se a escorregar para um país das maravilhas, onde o Tribunal Constitucional é o Arganaz que acorda para contar uma história que nunca chega a ser contada, porque Arganaz não está acordado o tempo suficiente para dar sentido ao absurdo. Um tribunal que atribui a si próprio a decisão de governar, considerando uma norma não constitucional mas dando-lhe tempo de vida em nome do equilíbrio orçamental, é também o tribunal do chapeleiro maluco com as suas invenções pouco ortodoxas..Alice e todos os outros portugueses podem viver tranquilamente com análises político-partidárias a "absurdar" os interesses próprios, o que é mais difícil de aceitar é ser governado a partir do Palácio Ratton. Nem sequer é por estar contra o princípio constitucional da separação de poderes, o que já é mau, mas porque quem governa naquele palácio acredita na ideia fantasiosa de que tudo tem de ser resolvido através do aumento de impostos..Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico