Os três cenários de Costa e a "evolução" de Marcelo que "não quer criar problemas"
"Tudo conta: calendários eleitorais internos do partido [o congresso foi adiado para 15, 16 e 17 de março de 2024 e em 2026 deverá ser em data aproximada], o apoio que [António Costa] tem na Europa e até o apoio do senhor presidente que já reconheceu que não pode criar problemas à Europa".
A frase é de um dirigente socialista que sublinha um "aproximar" de Belém à possibilidade de o primeiro-ministro, "se assim o entender, no tempo certo", se candidatar e assumir a liderança do Conselho Europeu.
A 10 de maio, Marcelo admitiu o "muito peso a nível europeu" do governo e até foi claro ao dizer que "quer o primeiro-ministro, quer o secretário de Estado para os Assuntos Europeus [Tiago Antunes] têm muito peso e isso aplica-se ao Parlamento Europeu e ao Conselho Europeu".
Na semana passada, na sexta-feira, abriu um "apoio disfarçado", nas palavras de outro dirigente do PS, quando disse que "aquilo que cada qual, na cena portuguesa e europeia, quer seguir é uma escolha própria e tudo o que eu dissesse agora não era bom nem para Portugal nem para a Europa".
E reforçou a ideia: "Como a minha função não é criar problemas nem a Portugal nem à Europa não vou dizer nada (...) Esperem pelo São João do ano que vem e façam-me a pergunta porque aí será mais fácil dar a resposta".
E a declaração de Costa ao Público? "Qual delas? A explícita ou a implícita. É o que está citado - "Eu sou o garante da estabilidade. Já expliquei a todos que não aceitarei uma missão que ponha em causa a estabilidade em Portugal. Alguma vez eu poria em causa a estabilidade que tão dificilmente conquistei?" - ou aquele parágrafo onde se diz que "se vier a deixar a liderança do PS antes das eleições, está apostado em deixar uma situação de estabilidade orçamental, económica e social que permita que o PS volte a ganhar eleições, mesmo que liderado por outra pessoa"?
"Faz toda a diferença", sublinha o dirigente socialista, que recorda que Marcelo também "tem evoluído no seu entendimento, houve uma evolução".
Em 2021, o que havia era "uma especulação sem fundamento".
A 30 de março de 2022, o que era "especulação" transformou-se em aviso. E já lá vão 456 dias. "Tenho a certeza de que vossa excelência sabe que não será politicamente fácil que esse rosto, essa cara, que venceu de forma incontestável e notável as eleições, possa ser substituída por outra a meio do caminho", avisou Marcelo durante a cerimónia de posse do governo.
E depois a concretização da ameaça porque ou seria assim, Costa governar até 2026, ou teria que haver eleições antecipadas: "É o preço das grandes vitórias, inevitavelmente pessoais e intencionalmente personalizadas" e se "necessário", garantiu, não hesitaria em "avançar para decisões mais arriscadas ou ingratas".
No dia seguinte, Marcelo recusou a ideia de ameaça e usou da semântica: " [Costa] é refém do povo, não é um ultimato do Presidente, se quiserem, eu não queria dizer assim, é um ultimato do povo, não é meu".
Ora, é precisamente essa "evolução", até ao "muito peso a nível europeu", que sustenta a tese de outro dirigente socialista de que estando o país em "situação de estabilidade orçamental, económica e social" se quebrará a "tentação" de eleições antecipadas
"No próximo ano temos [eleições] Europeias, [eleições] Regionais nos Açores. É plausível que o presidente empurre o país para mais eleições [legislativas antecipadas] quando ainda por cima temos em 2025 eleições autárquicas?", questiona.
Feitas as contas, resume outro dirigente do PS, há apenas três cenários; "Costa sai em 2024 depois das Europeias deixando um país em crescimento e Marcelo fica com a batata quente nas mãos de decidir se quer que tenhamos três eleições num ano; Costa sai em 2026 a tempo de nova eleição para o Conselho Europeu [o mandato do presidente é de dois anos e meio, renovável por uma única vez]; ou recandidata-se a primeiro-ministro [em 2026] e sai no último ano para a Europa".
Ontem, Marcelo remeteu todas as responsabilidades para o PS: "A maioria absoluta tem na sua mão e em exclusivo a chave do que vier a acontecer de bom e de mau da sua estabilidade".