Os pecadores

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De acordo com um estudo conduzido pelo Instituto de Investigação Económica alemão (IFO), a regra europeia que obriga os países a apresentarem um défice público abaixo dos 3% do produto interno bruto (PIB) já foi violada em 114 ocasiões pelos Estados membros. Aliás, a regra, inscrita no Pacto de Estabilidade e Crescimento desde 1999, já foi quebrada em 165 ocasiões, embora em 51 delas isso fosse aceite já que os países atravessavam recessões, o que implicava que os governos pudessem deixar funcionar os chamados estabilizadores automáticos - subida dos gastos sociais, como o subsídio de desemprego, para amortecer a travagem económica, apesar da queda da receita fiscal. Desta vez, o campeão europeu não foi Portugal - foi a França, que já ultrapassou a fronteira dos 3% onze vezes, ou seja, em mais de metade dos exercícios orçamentais, apesar de ser a terceira economia mais forte do bloco. Portugal, Grécia e Polónia, todos com dez faltas cada, a que se seguem o Reino Unido (nove), Itália (oito), Hungria (sete) e ainda a Irlanda e a Alemanha (cinco) são os outros pecadores reincidentes, para usar a terminologia neutral do sr. Dijsselbloem. Se olharmos para os números apenas pela via contabilística, o cadastro das finanças públicas europeias é uma chaga. Os países que aprovam as regras mostram-se sempre dispostos a assumir metas difíceis, mas a realidade é dura - o choque acaba sempre por acontecer. Multar financeiramente Portugal e Espanha nestas circunstâncias, isto é, ir além de uma advertência política - que se justifica pelos números -, seria não só contraproducente (perturbaria a atividade económica) como ambíguo (porquê agora?), mas isso não significa que deve ficar tudo como está. Ter finanças públicas saudáveis é um ponto essencial da construção europeia, mas enquanto o euro não implicar uma governação económica e financeira comum (mais integração, menos soberania) o cinto para não deixar cair as calças terá o efeito de garrote que asfixia as economias mais frágeis ou, em alternativa, esse aperto continuará a ser ignorado e politicamente disputado, como acontece hoje, abrindo um espaço vital para desgastar ainda mais a ideia de uma Europa unida. Depois do brexit, o Reino Unido já tem novo primeiro-ministro e novo líder do Partido Conservador. Enquanto o mundo gira e gira outra vez, a Europa arrasta-se como se nada tivesse acontecido. Sim, não há dúvida, o défice português é o grande problema.

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