Os mitos do cérebro em que temos de deixar de acreditar
Na Grécia Antiga, se fosse pedido para filosofar sobre o cérebro, Aristóteles diria que foi criado para arrefecer os ardores do coração. Até à revolução científica do século XVII, em que se desenharam os primeiros mapas fiáveis do órgão, anatomistas juravam que os nossos pensamentos, sentimentos e ações eram vapores difusos que esvoaçavam das concavidades da cabeça para o resto do corpo. Hoje sabe-se que o cérebro controla desde a respiração à memória e há muito mais que os neurocientistas desvendam a cada passo. A começar por estes mitos comuns em que temos de parar de acreditar.
1 Só usamos 10% do cérebro
É capaz de ser o maior mito acerca deste órgão, que todos repetimos à boca cheia como se fosse verdade - e não é. Através de ressonâncias magnéticas simples, investigadores apuraram que todo o cérebro é ativado em permanência - ainda que haja zonas mais estimuladas do que outras, dependendo do que a pessoa estiver a fazer -, com muitas funções a não serem, sequer, exclusivas de uma região apenas. Os cientistas estimam que cerca de 10% (mais coisa menos coisa) do volume total do cérebro sejam neurónios, um valor que pode estar na origem desta crença popular. Seja como for, calcular 10% implicaria saber como ele é a 100%, um ponto a que a ciência ainda não chegou.
2 Álcool mata as células cerebrais
A ressaca na manhã seguinte até pode dar a sensação de que o álcool lhe destruiu milhares de células do cérebro (para não dizer todas), mas tal não acontece, a menos que tenha bebido álcool 100% puro em vez de mojitos. Isso mesmo concluiu um estudo de 1993 realizado por neurologistas da Universidade de Aarhus, Dinamarca, que ressalvam, no entanto, que bebidas espirituosas em excesso comprometem, sim, as ligações entre os neurónios do cérebro, o que por sua vez afeta a comunicação a nível das células. Que é como quem diz que os abusos podem efetivamente causar verdadeiros estragos, ainda que não nos fritem a cabeça no sentido literal do termo.
3 Danos são sempre permanentes
Podem não ser, mesmo que a gravidade da lesão seja de tal forma significativa que tudo pareça apontar nesse sentido. A verdade é que uma das características mais formidáveis do cérebro é justamente a capacidade de se recuperar por completo na maioria das vezes, ainda que um traumatismo lhe interrompa as funções durante algum tempo. Mesmo em situações mais graves, como um acidente vascular cerebral, em que as funções habituais são desativadas, a neuroplasticidade do cérebro permite-lhe redirecioná-las para que não as perca definitivamente.
4 Aprendemos línguas a dormir
Melhor era impossível: bastava ir dormir a ouvir uma gravação com as lições de japonês ou italiano, passar uma boa noite de sono tranquilo e de manhã teríamos tudo na cabeça. A eficácia tem sido refutada desde que um estudo efetuado em 1956 por William Emmons e Charles Simon, especialistas em memória e ciência cognitiva, não validou esta aprendizagem durante o sono. Um outro estudo de 2014, conduzido por Thomas Schreiner e Björn Rasch, concluiu que ensinar palavras estrangeiras ao acordar ou durante um movimento ocular mais lento facilita a memorização de vocabulário, mas nada de muito significativo. Até ver, os métodos tradicionais ainda são os melhores.
5 Regula a razão, não as emoções
É outra imagem recorrente no nosso imaginário: o cérebro a comandar o lado racional que há em nós, enquanto o coração fica incumbido de gerir a parte emocional. Isto quando, na prática, é o cérebro que regula a razão, as emoções e todas as ações voluntárias e involuntárias do corpo, desde caminhar em equilíbrio a mexer o dedinho mais pequeno do pé. É certo que os postais do Dia dos Namorados ficam mais bonitos com corações do que com cérebros, mas essa é mesmo a única área em que o coração lhe leva a melhor.
6 Mozart aumenta a inteligência
E quais foram os pais que nunca puseram os filhos a ouvir Mozart por acreditarem que otimiza a inteligência das crianças? O chamado "efeito Mozart" começou a dar que falar quando, em 1991, um artigo publicado pela Universidade da Califórnia, EUA, deu conta de uma experiência realizada com 36 estudantes, em que aqueles que escutaram dez minutos de Mozart desempenharam melhor a atividade mental proposta do que os colegas com falta de música. Em 2013, numa revisão de estudos, investigadores de Harvard vieram, porém, contrariar essa tese. A música estimula a criatividade, a concentração, a disciplina, até a autoestima infantil, confirma o principal autor, Samuel Mehr, da Escola de Educação de Harvard. Embora nada indique o tal desenvolvimento cognitivo tão falado ou um aumento do quociente de inteligência (QI).
7 Conseguimos comunicar à distância
E quem diz comunicar à distância diz comunicar extrassensorialmente. Ou seja, transmitir os nossos pensamentos e sentimentos a terceiros e outros feitos entre duas ou mais mentes que cabem naquilo a que chamamos telepatia - que é a difusão de informação por vias que vão além dos sentidos físicos que todos conhecemos e aceitamos. A verdade é que a comunidade científica não só não sabe explicar muito bem a telepatia como não é consensual quanto à sua existência, o que faz que figure - ainda - na categoria de mito.