Em criança queria ser bailarina, cantora, actriz... Enfim, artista. O direito firmou-se na adolescência, quando começou a ter mais consciência social. Aos 44 anos, Mila Ferreira diz que os seus dias se dividem entre os do "fatinho de artista" e os do "fatinho de advogada". Para cada um deles adopta a atitude que considera mais adequada do ponto de vista formal e profissional. E de onde vem a capacidade e a motivação para gerir vidas tão diferentes? Da "normalidade de quem faz o que ama e não consegue viver sem as duas"..Acredita que a música nasceu consigo. Que é algo que se respira e se transpira. A paixão pelo direito, essa, alimenta-a da constatação de que, "infelizmente, a injustiça existe e que as pessoas precisam de quem as defenda". Talvez por isso não consiga optar por uma em detrimento da outra. Mas nem sempre foi assim. "Quando estava a estudar, tive que dizer não a diversas propostas de gravação de discos. Custou-me muito, pois eu sabia que se enveredasse pela música e por outras propostas artísticas que tive na época, jamais concluiria o curso. Raras são as pessoas que enveredam à séria na vida artística e que conseguem concluir os estudos". Anos mais tarde a situação repetiu-se, por razões diferentes. "Em 2000, quando regressei à advocacia, achei que não era adequado cantar e que era melhor deixar a música ligeira." Confessa que hoje não voltaria a tomar a mesma decisão, porque tem a convicção de que "devemos fazer aquilo que nos torna felizes e não o que está politicamente correcto. Vou tentar conduzir a minha vida de forma a que nunca tenha de optar"..Foi esta mesma vida que se encarregou de lhe criar as dificuldades necessárias para que percebesse que é preciso "colocar os dons ao serviço dos outros e de nós próprios". Mila Ferreira encontrou então a calma de espírito que hoje lhe permite partilhar, com igual intensidade, as salas dos tribunais e os palcos. São locais aos quais estava destinada e onde diz que se encontram pessoas que exigem o seu maior respeito. As primeiras preenchem-na do ponto de vista intelectual, os segundos sustentam-lhe a alma. Revela, no entanto, que no palco "existe uma coisa única: as palmas. Quem as escutou uma vez, não esquece essa sensação maravilhosa e vai precisar delas para o resto da vida"..E porque o que importa é estar bem consigo própria, encara com naturalidade o facto de os outros advogados verem com mais ou menos "graça" a sua faceta de artista. "Nunca lhes perguntei o que achavam da minha carreira de cantora. Já somos pessoas um pouco mais crescidas e percebemos que a vida de cada um é um acto individual e intransmissível. Já os meus colegas mais directos, como me vêem feliz, ficam felizes". É a estes que oferece os discos que edita, fazendo com que os seus dois mundos se aproximem um pouco mais um do outro. A relação manifesta-se recíproca quando a classe musical demonstra curiosidade pelo formalismo do universo das leis. E será que os fãs a procuram como advogada? "Já aconteceu, mas mais a título de amizade", adiantando que acima de tudo pretende cumprir com as suas obrigações e dar o seu melhor em cada uma das profissões.."Sempre me tocaram bastante os casos de pessoas que foram condenadas por crimes que não cometeram. Todos devemos ter uma defesa condigna e uma possibilidade de reinserção social. No entanto, nunca quis ser só advogada. A música faz parte de mim. Quando a ligeira já não for a mais adequada, cantarei ópera." O mais importante é ser recordada como ser humano, como mulher. "Como acredito que a vida não acaba aqui, gostaria de ser evocada pelos que amo e pelos que me amam. Se um dia conseguir deixar obra em termos humanos, é assim que gostaria de ser lembrada.".Actualmente, Mila Ferreira mantém duas profissões. Por necessidade. Mas uma necessidade que não é ditada unicamente por termos económicos. "O alimento do espírito não tem preço. Sou uma e só mulher com vários amores profissionais na sua alma." Bailarina, cantora, actriz... Enfim, artista. |