Primeira economia da UE, locomotiva da União, a Alemanha quer manter o estatuto de líder. E o próximo governo - seja ele o quarto liderado por Angela Merkel ou o primeiro de Martin Schulz, caso o social-democrata consiga provar que todas as sondagens estão erradas - terá de conseguir que o crescimento se reflita na redução do fosso entre ricos e pobres. Com a ameaça terrorista a crescer a cada dia na Europa e com o fluxo de refugiados a ter abrandado mas longe do fim, o novo chanceler terá não só de lidar com estas questões como garantir que não impulsionam o crescimento da extrema-direita e de partidos como a AfD. Numa Europa prestes a perder o Reino Unido e com Donald Trump a afastar os EUA dos seus aliados, o reforço da relação com a França de Emmanuel Macron é a única via para apresentarem uma frente unida e "resolver os problemas da zona euro, estabilizar a Europa e estabilizar a ordem liberal internacional que tem sido posta em causa", explicou ao DN Thomas Kleine-Brockhoff, vice-presidente do German Marshall Fund (GMF)..Economia: Manter-se na Liga dos Campeões.Com os salários a crescer, o desemprego abaixo dos 4% e a cair e a economia prevista crescer 1,9% neste ano, a Alemanha continua a ser vista como a locomotiva da Europa. Mas o desafio para o próximo líder, seja a democrata-cristã Angela Merkel, a chanceler e favorita de todas as sondagens, ou o social-democrata Martin Schulz, é manter o país na Liga dos Campeões das economias europeias, como pediu nesta semana Steffen Kampeter, o diretor-geral da Confederação dos Empregadores Alemães. Recordando que a Alemanha vive um "boom económico a longo prazo", que começou em 2010 e foi interrompido pela crise financeira, Thomas Kleine-Brockhoff admite que este ciclo "terá um dia de chegar ao fim". Garantindo que a Alemanha precisa de uma "mão firme" para se manter no caminho do crescimento que tem seguido, o vice-presidente do German Marshall Fund explica que uma das questões em cima da mesa nos próximos quatro anos é a mão-de-obra qualificada. "O mercado está a absorver todas as pessoas formadas que chegam e até começa a absorver quem não tem formação e mal fala a língua, como os refugiados", afirma. Mesmo se nem todo o país cresce ao mesmo ritmo, o Leste continua mais lento e com mais desemprego. Mas nem tudo é cor--de-rosa e a verdade é que o fosso entre os mais ricos e os mais pobres se acentuou nos últimos anos, com uma faixa da população a viver na precariedade..Refugiados: Caminhar para fluxo controlado.Fortemente criticada, inclusive pelos aliados da CSU, a irmã bávara da CDU, devido à sua política de portas abertas em relação aos refugiados - com a Alemanha a receber mais de um milhão de migrantes, na maioria sírios, em 2015 - Merkel tem vindo ela própria a recuar um pouco. "Uma situação como a do verão de 2015 não pode nem deve repetir-se", afirmava a chanceler no final de 2016. Em contramaré num momento em que muitos parceiros europeus decidiam fechar as fronteiras e rejeitar os refugiados, Merkel perdeu bastante popularidade numa altura em que a Alemanha também assistiu a uma subida da extrema-direita da AfD. "A chanceler pôde pretender ter o magistério moral da Europa ao praticar uma política de boas-vindas para os refugiados em guerra", garantia ao jornal francês Les Echos Jerôme Vaillant, professor de Civilização Alemã. Mas para Thomas Kleine-Brockhoff a mudança na política alemã para os refugiados já aconteceu. Nos próximos anos, o académico antecipa a passagem de um "fluxo sem controlo para um fluxo controlado" de refugiados. Com 1,4 milhões de migrantes a viver neste momento na Alemanha, mais do que o encerramento das fronteiras, o vice-presidente do GMF acredita que o país ainda tem capacidade para absorver mais pessoas. E recorda que as chegadas mais recentes são sobretudo de pessoas que têm já familiares na Alemanha. Durante o pico da crise, Merkel garantira que a Alemanha conseguia integrar aquelas pessoas que estavam a chegar. O desafio do novo governo será o de provar que essa integração aconteceu e que a Alemanha está a tirar o máximo partido de uma mão-de-obra jovem e, muitas vezes, qualificada. "A Alemanha está a fazer o que todos os países têm de fazer, de acordo com a lei internacional", resume Thomas Kleine-Brockhoff ..Extrema-direita: AfD vai mudar a política.Chegou a ter mais de 15% nas sondagens no pico da crise dos refugiados e no último estudo do instituto INSA a Alternativa para a Alemanha (AfD) surge com 13% das intenções de voto. Suficientes não só para lhe assegurar a entrada no Parlamento, que lhe escapou em 2013, como para talvez até lhe dar o estatuto de líder da oposição. Nascida como partido antieuro há pouco mais de quatro anos, a AfD mudou de rumo, virando para a extrema-direita e reforçando a mensagem xenófoba e anti-imigração. O resultado foi a entrada em vários parlamentos regionais e a subida nas sondagens nacionais. "A extrema-direita vai mesmo entrar no Parlamento e vai ser em maior número do que esperamos neste momento", acredita Thomas Kleine-Brockhoff. O analista acha que muitos alemães não querem dizer que vão votar na AfD. Para ele, vão acontecer duas coisas: Há as pessoas que confiam em Merkel e na sua experiência para as proteger das mudanças e da chegada de estrangeiros e que vão votar na atual chanceler. Mas há "uma minoria que está zangada com ela por ter perdido o controlo em 2015" e esses acreditam que "só a extrema-direita consegue recuperar o Estado de direito. Por outro lado, o vice-presidente do GMF acredita que "o discurso político vai mudar" com a entrada da AfD no Parlamento. Sejam ou não os líderes da oposição, vão "ganhar tempo de antena" e isso vai polarizar os partidos e "empurrar a esquerda mais para a esquerda"..Europa: O reforço do eixo franco-alemão.Com uns EUA mais isolacionistas e mais afastados dos aliados desde a chegada ao poder de Donald Trump e com o processo de saída do Reino Unido a dominar, pelo menos, os próximos dois anos na UE, o novo governo alemão surge mais do que nunca como o pilar da estabilidade europeia. E para isso precisa de se unir mais à França. Resta saber como o futuro chanceler vai gerir as ideias de Emmanuel Macron para reformar a UE. "Mais do que Trump, a questão está na reforma da zona euro e em Macron", garante Thomas Kleine-Brockhoff. Para o analista, o maior desafio do próximo governo alemão será ter ideias franco-alemãs para discutir com os parceiros da zona euro de forma a resolver os seus problemas. Um deles, antecipa, é a fragilidade de Itália, tanto em termos económicos como político, com a incerteza trazida pelas eleições da primavera..[artigo:8791786]