O Ultraísmo, cujo período é habitual situar-se na história da literatura aproximadamente entre 1918 e 1925, foi o movimento de vanguarda autóctone mais importante da literatura espanhola. Como sabemos, através dos principais estudos dedicados ao mesmo e como é evidente nas suas principais antologias, o seu primeiro fundador foi o poeta sevilhano Rafael Cansinos Assens, e como precursor imediato o polivalente Ramón Gómez de la Serna, o vanguardista espanhol com uma dimensão mais internacional. Com o magistério de Cansinos e o exemplo de Gómez de la Serna, um grupo de jovenes poetas como Guillermo de Torre, Adriano del Valle, Isaac del Vando-Villar ou Rogelio Buendía decidiram dar um passo mais além dos postulados estéticos do Realismo e do Simbolismo, e tentaram colocar o relógio literário espanhol para a hora da Europa..Recentemente, alguns críticos como Andrew A. Anderson defenderam a possibilidade de conceber um período "pré-ultraísta", entre 1916 e 1918, coincidente com a chegada a Espanha do poeta chileno Vicente Huidobro, pai do Criacionismo. Nesses anos, através da atividade das revistas como Cervantes ou Los Quijotes, começou-se a construir a pré-história de um Ultraísmo que, pouco depois, graças a revistas como Grecia ou Ultra, atinge a sua maioria de idade. O paralelismo cronológico com a aparição de Orpheu e do primeiro Modernismo português é evidente, do mesmo modo que será o surgimento do segundo Modernismo de Presença e da Geração de 27 espanhola..Porém, será justo afirmar que o Ultraísmo foi mais pródigo em gestos coletivos que individuais. Ainda que, nas suas filas surgem nomes tão importantes como o de o jovem Jorge Luis Borges, que exportou o movimento para a Argentina, a verdade é que o Ultraísmo é uma tendência da primeira vanguarda espanhola que assentou as suas bases mais em serões públicos, manifestos e revistas do que em obras pessoais. E este acontecimento, o de estar mais atento ao gesto coletivo do que ao individual, à recepção das novidades cosmopolitas que na construção de um ideário próprio perfeitamente definido, tem muito a ver com o papel, tantas vezes secundário, que os seus autores ocuparam nas histórias da literatura de corte mais tradicional. Em algumas delas, incluido, os canônicos autores da conhecida Geração de 27 (a de Federico García Lorca) parecem ter chegado ao mais alto de uma nova compreensāo das relações entre tradição e vanguarda sem que tivesse havido imediatamente antes um grito de libertade na poesia espanhola, o protagonizado por o Ultraísmo, que preparou o caminho para a chegada dos grandes livros dos poetas de 27..De acordo com a sua clara vontade cosmopolita, os poetas ultraístas estiveram atentos às novidades líricas europeias. Entre eles, um pequeno grupo de ultraístas andaluzes, como Adriano del Valle e Rogelio Buendía como protagonistas, olharam diretamente para Portugal e interessaram-se pela nova literatura do país vizinho. Aproveitando o notável círculo social e cultural estabelecido por Ramón Gómez de la Serna, que viveu no Estoril entre 1922 e 1926 na companhía da também escritora Carmen de Burgos, Colombine, os ultraístas desembarcaram nas páginas da revista lisboeta Contemporânea, convertida na origem de quase todos os contatos estabelecidos pelos poetas ultraístas com os autores do primeiro Modernismo português..Neste contexto, Adriano del Valle decidiu passar a sua lua de mel, no verão de 1923, em Lisboa, cidade onde conheceu Fernando Pessoa, protagonizando um importante cruzar de caminhos entre os escritores avançados dos dois países, cujos frutos prolongam-se até finais de 1924 através de um significativo conjunto epistolar. Graças a esta relação, Rogelio Buendía pode converter-se no primeiro tradutor em Espanha de uns poemas de Pessoa, quando publica, em setembro desse mesmo ano de 1923, um conjunto de poemas ingleses Inscriptions no jornal La Provincia de Huelva. Exactamente dois anos antes, Colombine tinha publicado na revista madrilena Cosmópolis o primeiro poema traduzido de Mário de Sá-Carneiro em Espanha, traçando as linhas fundamentais de um intercâmbio ibérico no qual o Ultraísmo, teve, sem dúvida, um papel protagonista..Um século depois, é o momento oportuno para regressar às fontes e reconstruir as relações do Ultraísmo com Portugal, com os seus escritores e a sua cultura; umas relações sigilosas mas que, sem dúvida, revelam-se essenciais para estabelecer o mapa dos diálogos culturais ibéricos do século XX. A este propósito é dedicada a exposição que o Instituto Cervantes de Lisboa acolhe, até janeiro de 2019.