O trágico 11 de Setembro segundo Oliver Stone

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Parece ser quase certo que a Mossad (os serviços secretos israelitas) sabia do plano terrorista de ataque aos EUA no 11 de Setembro de 2001 e não terá passado a menor informação aos seus congéneres norte-americanos. Soube-se também recentemente que foi ordenado aos autores do livro oficial do relatório sobre o 11 de Setembro que omitissem qualquer referência a Israel. É um tema que daria um filme e peras, e, tendo em conta a sua reputação e a sua filmografia, Oliver Stone seria o realizador indicado para o fazer. Pensem: o 11 de Setembro abordado na veia JFK.

Foi por isso que quando se soube que Stone ia fazer um filme sobre os ataques às Torres Gémeas, intitulado World Trade Center, muita gente, sobretudo na direita americana mais ligada aos neocons, começou de imediato aos saltos e a espingardar em todas as direcções. Oliver Stone, o radical militante de Salvador, o contestatário de Nascido a 4 de Julho, o teórico da conspiração ferrenha de JFK, o terrorista político que declarou ao The New York Times, poucos dias depois dos atentados, que estes tinham sido "um grito de protesto" e que tinha mostrado interesse em um dia filmar a tragédia "do ponto de vista dos terroristas", a mexer com o 11 de Setembro? E quem ia produzir o filme: a Al-Qaeda?

World Trade Center já está em cartaz nos EUA há algumas semanas. Os seus detractores mais assanhados transformaram-se nos seus defensores mais destacados, os críticos renderam-se-lhe na maioria e, ao contrário do que diziam os que protestaram contra o filme pela única razão de que seria ainda "muito cedo" para se começar a tratar o 11 de Setembro no cinema, os espectadores americanos estão a acorrer às salas para o ver. A razão é que World Trade Center é um filme feito não para dividir, mas sim para unir, na sua recriação particular de um acontecimento colectivo, na individualização de uma micro-história dentro da História partilhada.

Antestreado fora dos EUA ontem, no Festival de Veneza (fora de competição), World Trade Center é a antítese de Nascido a 4 de Julho, e, se há um filme de Oliver Stone a que possa ser comparado, é a Os Bravos do Pelotão, onde o realizador quis contar a história dos combatentes do Vietname e mostrar a realidade da experiência de combate no Vietname, através de um grupo de soldados que esteve no coração do conflito.

Em World Trade Center, Stone escolheu narrar a experiência do atentado através da história real de dois polícias do Porto de Nova Iorque, John McLoughlin (Nicolas Cage) e Will Jimeno (Michael Pena), membros do grupo de socorro que acorreu à Torre 1 após o embate do primeiro avião. Ambos ficaram soterrados sob os escombros do arranha-céus e foram o antepenúltimo e penúltimo dos 20 sobreviventes a serem retirados vivos dos destroços. Sem sequer terem tido bem a noção das causas da catástrofe - quando Jimeno é puxado para a superfície, pergunta: "Onde estão as Torres?"

Em paralelo, Oliver Stone mostra a angústia das famílias dos dois agentes, que não têm a menor ideia do seu paradeiro, segue os esforços dos seus camaradas e dos bombeiros para os acharem e libertarem e nem sequer se esquece de Dave Karnes, o marine na reserva que vivia fora de Nova Iorque e assistia aos acontecimentos pela televisão, sentiu um impulso "espiritual", vestiu a farda, rumou à cidade em caos, localizou McLoughlin e Jimeno e mais tarde cumpriu duas comissões no Iraque.

O filme não mostra o impacto dos aviões, e no início há apenas uma breve imagem de pessoas a cair de uma das torres em chamas, porque Stone preferiu omitir o que as televisões "gastaram", visual e emocionalmente. O Ground Zero ainda fumegante foi reconstituído num estúdio em Hollywood, mas só no final se sugere a devastação no local. O que importa em World Trade Center é recordar a resistência, o espírito de sobrevivência e de entreajuda dos dois enterrados vivos - a sensação de claustrofobia roça o insuportável -, o sofrimento de familiares e camaradas e finalmente o resgate no meio do choque e da morte.

Acusado pelos seus detractores de ser "convencional", "inspirador", "piedoso" ou "patrioteiro", World Trade Center não é apenas um filme "sobre" o 11 de Setembro. É, muito mais do que Voo 93, do britânico Paul Greengrass (já em exibição em Portugal), a primeira grande tentativa de catarse de uma catástrofe nacional com ondas de choque mundiais e projectadas no futuro, levada a cabo pelo cinema americano. Talvez um dia Oliver Stone faça o tal filme do ponto de vista dos terroristas ou sobre o papel da Mossad e de Israel nos atentados. Por agora, ficou em casa a recordá-la com os seus e a partilhá-la com todos os outros que a testemunharam de fora.

Crime em Hollywood

Na secção competitiva, passou Hollywoodland, de Allen Coulter, uma ficção sobre um detective privado manhoso (Adrien Brody) que decide investigar a morte de George Reeves, o actor que foi o Super-Homem da televisão e que se matou com um tiro em sua casa, em 1959. O filme levanta a teoria de que uma jovem namorada de Reeves pode tê-lo matado por acidente, especula com a ideia de que poderá ter sido assassínio, por Reeves ser amante da mulher (excelente Diane Lane) de um dos patrões da MGM, mas no final parece satisfazer-se com o suicídio. Coulter quer também mostrar o drama de um actor limitado que ficou prisioneiro de uma personagem de sucesso, mas a verdade é que a história de Reeves é uma nota de pé de página na história do cinema americano. Ironia do destino: é esse cepo com voz e movimento chamado Ben Affleck que interpreta George Reeves. Nem depois de morto o trataram bem, coitado.

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