O teste ucraniano

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Aqueda do comunismo na Europa de Leste pode ter criado a ilusão, em alguns espíritos bem- -intencionados, de que a Rússia estaria disposta a abdicar daqueles que são, há séculos, os seus interesses geoestratégicos.

Depois de um período, insignificante em termos históricos, de perturbações internas e de fragmentação dos centros de poder, Vladimir Putin tem vindo a consolidar um regime musculado, com alguns acessórios de cosmética democrática, mas muito distante dos padrões de um Estado de direito, ou seja, deixa muito a desejar em matéria de separação e independência entre os diversos poderes, liberdade de expressão, tolerância e respeito pelos direitos humanos. O problema com- plexo do terrorismo checheno tem ajudado Putin a conseguir a condescendência da comunidade internacional, em particular dos Estados Unidos, e sobretudo depois de 11 de Setembro de 2001.

O conceito estratégico de segurança da Rússia integra os acessos ao mar, ou seja, os territórios que se atravessam no caminho desse objectivo - a norte, a sul e a oriente - e a influência sobre os países fronteiriços a oeste, com os olhos sempre postos na Alemanha. A Rússia pós--soviética não teve capacidade para impedir o avanço da NATO até às suas fronteiras. Protestou, levantou reservas, mas esse foi o preço da derrota na guerra fria.

A Revolução das Rosas na Geórgia, no final de 2003, constituiu um golpe sério na presença russa no Cáucaso. Foi uma excepção numa zona onde Moscovo, sem preocupações de contenção no uso da violência armada, tem reprimido os impulsos separatistas e tem apoiado, sem escrúpulo de exigência de contrapartidas em matéria de direitos humanos, regimes autoritários que garantem a fidelidade à mãe Rússia.

A Ucrânia é o mais sério de todos os problemas herdados do imperialismo soviético. Tem um posicionamento vital para a Rússia - é um «tampão» poderoso a ocidente, garante a via para os mares do Sul e, além do mais, é depositária de uma parte do arsenal nuclear da ex- -URSS.

Tudo indica que os resultados da segunda volta das eleições presidenciais foram fabricados para dar a vitória ao candidato que tranquiliza Moscovo. Pelo menos, é o que garantem observadores internacionais que acompanharam o acto eleitoral.

A Europa já levantou a voz em defesa da verdade democrática e mesmo Washington adoptou um tom surpreendentemente duro para os interesses do aliado Putin.

O futuro próximo da Ucrânia é o primeiro teste ao planeta do segundo mandato de George W. Bush.

Notas:

I. O artigo de João César das Neves, publicado na segunda-feira no DN, merece figurar numa antologia de reflexões sobre o universo problemático dos media. O colunista, que é, muitas vezes, um provocador assumido e controverso, ficou-se, desta vez, num registo equilibrado - duro para nós, jornalistas, mas repleto de lucidez. Mesmo não subscrevendo tudo o que ali ficou escrito, reconheço a César das Neves a coragem intelectual de ter colocado, em cheio, o dedo na ferida.

II. A independência das autoridades monetárias é um sinal de maturidade das democracias modernas e um factor acrescido de credibilidade para a condução da política económica de um país. Vítor Constâncio é um espírito autónomo, com provas dadas na matéria, dotado de competência específica inquestionável. Pôr em causa esse património do actual governador do Banco de Portugal é uma bala condenada ao ricochete. Veremos o que acontece quando chegar ao fim do seu mandato, no início de 2005.

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