O sistema internacional vive atualmente momentos de grande perturbação. A década dos anos vinte do nosso século tem sido tudo menos tranquila. Em todos os aspetos. Os primeiros anos confrontaram-nos com a pandemia, aceleraram as preocupações globais sobre as alterações climáticas e os problemas migratórios no mundo, trouxeram a realidade da guerra na Ucrânia e reacenderam o conflito em Gaza e Israel. Aumentaram desde o início as disputas várias entre as grandes potências globais, EUA e China, muito em particular no comércio internacional. Tudo isto em poucos anos..É a hora de dizer que o sistema internacional em que vivemos, se baseia na realidade comparada da vulcanologia e da sua enigmática realidade. Os autênticos vulcões geopolíticos que desafiam estes nossos tempos globalizados, são também eles verdadeiros materiais incandescentes. Decorrências políticas, económicas e sociais que muitas vezes foram passando despercebidas na realidade global da política internacional, surgem agora qual magma demolidor perante as nossas consciências. Emergem à superfície e desafiam todos os atores internacionais, os Estados, Organizações e Agências Internacionais, e claro todos nós. Tal como os vulcões, a realidade da guerra, das pandemias e das crises migratórias sempre foram trágicas e temidas desde os tempos idos da história. As próprias alterações climáticas acrescentam agora novos desafios à ordem internacional..O movimento tectónico das placas geopolíticas resultantes da implosão da União Soviética procuraram posteriormente novas redefinições e espaços de ocupação diferenciados no leste da Europa. Foi preciso chegar a 24 de fevereiro de 2022 para que o choque dessas alterações, talvez previsível mas incerto, se transformasse em realidade. A agressão militar da Rússia à Ucrânia traduz-se numa erupção vulcânica de grandes dimensões e tragédia que atinge todo o Ocidente e a Europa em particular. Permitiu ainda recentrar a NATO no seu espaço próprio de ação, e alargá-la aos Estados nórdicos, obrigando também os EUA a assumirem o protagonismo de potência militar dominante. Estamos assim perante um vulcão de grande impacto global e de difícil extinção no complexo sistema internacional, onde até a ameaça nuclear voltou a acordar os nossos dias. Realidade que veio afetar o espaço europeu e a União Europeia na sua longa letargia de dependência energética russa e ausência de uma política externa e de defesa minimamente credível. A Europa terá percebido, por agora, da natureza estratégica que assumem as questões dos recursos e da segurança energética e da consequente e necessária política industrial autónoma, em tempos da nova era industrial global que se vislumbra..Diz-nos a geologia que os vulcões, para além da sua formação através da movimentação das placas tectónicas, podem também ter a sua origem quando os materiais incandescentes "emergem numa determinada zona específica do planeta" os designados "pontos quentes." Pois em boa verdade é disto que falamos, quando olhamos para o conflito de décadas em Israel e na Palestina. O trágico dia dos ataques sangrentos do Hamas, que fizeram mais de 1400 vitimas civis indefesas em 07 de outubro e mais de 240 civis raptados, agora utilizados como escudos humanos, deram origem ao reacender do vulcão da guerra e do antagonismo trágico entre estes povos. E como se esperava, originando uma nuvem de cinzas que percorre todo o mundo e afeta de novo a instável ordem internacional. Os conhecidos "piroclastos" - os projéteis de maior dimensão vulcânica -, atingiram igualmente as próprias Nações Unidas. Desde o início os EUA foram rápidos a demonstrar força e poder num espaço de influência que ainda é seu, de forma equilibrada e construtiva, tanto o quanto se pode ser, num cenário de elevada complexidade regional. Este vulcão de guerra continuada, o mais conhecido e inflamado após a II Guerra Mundial, talvez um dia, quem sabe, possa ser extinto! Como gostava de dizer o escritor israelita Amos Oz, muito criticado internamente pelo seu pacifismo: "... este não é mais que um conflito territorial sobre a dolorosa questão: «De quem é a terra?» É um doloroso conflito entre quem tem razão e quem tem razão...»..Coronel e especialista em geopolítica energética.Eduardo Caetano de Sousa | LinkedIn