O retorno do fascismo

Publicado a
Atualizado a

1. Na passada quinta-feira, a Fundação que tem o meu nome teve o gosto de receber, no auditório intitulado Gomes Mota, meu saudoso amigo desaparecido, vice- -presidente da Fundação, o reputado filósofo e ensaísta holandês Rob Riemen, diretor do Instituto Nexus, um centro internacional sediado na Holanda, que dissertou sobre a situação democrática em que se encontra a União Europeia e sobre a crise global que a está afetar, praticamente sem qualquer reação inteligente, da parte dos seus atuais dirigentes.

Rob Riemen é autor de vários livros, um dos quais se intitula O Eterno Retorno do Fascismo, cuja publicação, em português, se deve à Editorial Bizâncio, bem como de um outro livro, também traduzido pela mesma editora, que se chama Nobreza de Espírito, Um Ideal Esquecido, prefaciado pelo sociólogo George Steiner.

A ideia central da sua conferência consiste na falta de humanismo e de ética que hoje existe nos partidos e nas instituições europeias, que não têm especialmente a ver com o fascismo italiano ou o fascismo alemão, mas que, nem por isso, deixam de estar a pôr em causa o projeto político e cultural, de paz e de aprofundamento democrático, da União Europeia e a destruí-la, no plano social, primeiro e depois no político.

Nas bases do projeto europeu sempre estiveram os valores éticos, como a solidariedade, a igualdade dos Estados, pequenos ou grandes, ricos ou pobres e os grandes princípios da democracia económica e social e dos direitos humanos. Hoje tudo mudou: o supremo valor é o dinheiro e os interesses mesquinhos dos especuladores que põem os mercados acima dos Estados e a comandá- -los, e não, como devia ser, o contrário.

O professor Riemen sabe do que fala - e tem autoridade para o dizer - porque a Holanda de hoje tem um partido e um governo que chegaram ao poder por via do voto popular - como, aliás, Mussolini e o próprio Hitler -, não se diz fascista, que horror, mas na prática procede como tal. Como aliás está a acontecer também com a Hungria. E com a própria União Europeia, sobretudo da Zona Euro, porque graças ao comando da chanceler Merkel, educada na ex-Alemanha de Leste, não o esqueçamos, associada ao volúvel Presidente Sarkozy, por pouco tempo, espero, tem vindo, para evitar a inflação, que tanto a aterroriza, a deixar prevalecer a austeridade sobre a recessão e o desemprego, ambos crescentes - com as consequências trágicas que daí resultam - pelo menos em seis Estados europeus prestigiados, como: Grécia, Irlanda, Portugal, Chipre, Espanha e Itália. E os que aí vêm, como é inevitável.

2. A OCDE parece não se entender com a troikaÉ curioso admitir que a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) parece não se entender com a troika, por esta estar a dar "uma estocada fatal" à atividade económica dos Estados em que se têm instalado. Por outro lado o FMI (Fundo Monetário Internacional), que tem elementos seus na troika, instalada em Portugal, sugere "o perdão da dívida às famílias endividadas (vide o jornal I de dia 11 deste mês). E mais, o FMI "avisa que mais austeridade pode fazer implodir o País e o Governo", justamente - note-se - que tenho vindo a escrever, no Diário de Notícias, há cerca de dois anos.

Na Europa, começa a formar-se - e não só na Esquerda ou na Democracia Cristã - um sentimento claro de descontentamento anti-austeridade. O exemplo grego e outros, o português também, mostram claramente que as políticas impostas de austeridade só agravam a recessão económica e o desemprego, que em Portugal já atingiu os 15% e em Espanha 23%.

Por outro lado, as últimas sondagens feitas em França, sobre as próximas eleições presidenciais, dão um novo alento ao candidato François Hollande como favorito (vide Le Monde de domingo). O que representará, se for vencedor, a abertura de uma janela de esperança para a "refundação de uma nova Europa" .

O líder do Partido Socialista, António José Seguro, propôs um Ato Adicional ao Tratado Europeu, em discussão na Assembleia da República, com propostas claras para diminuir a recessão e lutar contra o desemprego, hoje talvez o nosso maior flagelo. Foi rejeitado pelos dois partidos da Coligação. O que levou Seguro a dizer que tal atitude foi "o fim do consenso europeu". E acrescentou: "PSD e CDS escolheram outro caminho, vão fazê-lo sozinhos." E Zorrinho, líder do grupo socialista no Parlamento, resolveu esclarecer as posições: "A Europa a que aderimos é a do PS, não é a desta maioria." Estas posições claras - que a Coligação não quis entender - vão custar bastante caro ao Governo, que aliás está cada vez mais isolado, pelos cidadãos em geral, que só têm razões para estar muito descontentes. O que significa que o Governo está a colocar-se, por culpa própria, num beco sem saída... O melhor discípulo da Senhora Merkel - segundo subscritor do Tratado - está a autoisolar-se, mesmo no quadro europeu.

Note-se que em Espanha, o PP, de Mariano Rajoy, se afastou também do PSOE. Alfredo Rubalcaba, líder do PSOE, votou contra a Lei da Estabilidade Orçamental. O que significa que os dois partidos socialistas ibéricos estão a perceber que as medidas de austeridade só conduzem a mais recessão e desemprego, empurrando os dois Estados para uma situação insustentável, que, ainda por cima, não acalma nada os mercados. Bem pelo contrário...

3. A Guiné, um Estado infeliz De todos os Estados de expressão portuguesa, que viram as suas independências reconhecidas por Portugal, após a Revolução dos Cravos, a Guiné-Bissau tem sido a que tem tido mais dificuldades em consolidar o seu Estado. Diz-se, aliás, que se tornou numa plataforma da droga entre a Ibero--América e a Europa.

Angola, como país irmão, tinha um acordo para uma cooperação técnico-militar, desde 2011, com a Guiné, tendo lá cerca de 200 militares bem adestrados, dado o período de eleições que se vivia na Guiné. Mas nem isso - como era o objetivo - impediu o golpe de Estado. Na semana passada, o vice- -ministro dos Negócios Estrangeiros de Angola foi à Guiné declarar que ia retirar o corpo militar angolano. Ia iniciar-se a 2.ª volta das eleições presidenciais, tendo na 1.ª volta o primeiro-ministro, Carlos Gomes Júnior (do PAIGC), obtido o score de 49% dos votos. O segundo mais votado foi Kumba Yalá, com 24%, que desistiu de ir à 2.ª volta.

Na noite de quinta-feira, dia 12, o chefe de Estado-Maior das Forças Armadas chefiou um golpe de Estado, prendendo o primeiro-ministro, Carlos Gomes Júnior, em parte incerta, e também o Presidente interino, Raimundo Pereira.

Houve já uma reunião da CPLP, realizada em Lisboa a pedido de Angola, que condenou por unanimidade o golpe militar, como também o fizeram a União Europeia e as Nações Unidas. O Presidente da República Portuguesa também o fez, bem como o Governo Português, através do ministro dos Negócios Estrangeiros. A saúde de Carlos Gomes Júnior corre perigo pela necessidade que tem de tomar remédios diariamente, que não tinha na sua posse.

A situação no terreno é de calma aparente. O chefe do golpe de Estado parece ser António Indjai, chefe das Forças Armadas. Veremos como vai evoluir a situação, nos próximos dias, e se é possível evitar a violência e pôr fim ao tráfico de droga, pelas consequências tão negativas que daí resultam. Felizmente Portugal e os Estados da Comunidade Lusófona estão atentos e unânimes.

4. Uma homenagem merecidaNo passado sábado, dia 14, foi feito um almoço de homenagem a José Tengarrinha no Centro de Congressos de Lisboa, em virtude da passagem dos seus oitenta anos. Tengarrinha é um professor catedrático jubilado da Faculdade de Letras de Lisboa com uma vasta obra publicada sobretudo no que se refere ao céculo XIX português e acaba de publicar um grande livro, José Estêvão: o Homem e a Obra, e tem um conhecimento profundo da imprensa dos séculos XIX e XX.

Mas, para além disso, foi um corajoso resistente na luta contra a Ditadura fascista de Salazar e Caetano. Estava aliás preso, na Prisão de Caxias, quando se deu a Revolução dos Cravos e se abriram as prisões políticas.

Pertencemos à mesma geração - eu sou sete anos mais velho do que Tengarrinha - e somos amigos desde a juventude. Ele era comunista, quando eu já tinha deixado de ser, mas fomos sempre militantes antifascistas. Tivemos épocas de maior convívio e outras de menor.

Fundou o MDP/CDE, de que aliás foi líder, tendo mais tarde abandonado o Partido Comunista, antes do desaparecimento da CDE. Foi meu adversário, sem deixarmos de ser amigos, quando a CEUD se opôs ao MDP/CDE. Desde então, como disse recentemente numa entrevista ao Público, passou a interessar-se mais dos livros do que da ação cívica e política.

Uma vez prestou-nos - ao embaixador Fafe e a mim - um excelente serviço, quando ambos entrámos, com passaportes falsos, portanto clandestinos, em Cuba, poucos anos depois da Revolução de Fidel. Criou-se, quando chegámos, um qui pro quo, que consistiu em terem-me tomado por um importante dirigente político português. Ora não era uma coisa nem outra. Fartámo-nos de dizer aos cubanos isso. Estávamos em Cuba a convite do embaixador cubano, em Lisboa, Amado Blanco, como meros antifascistas: um escritor e um advogado. Não acreditaram e levaram-nos para um hotel - muito discreto -, onde não havia nem turistas nem estrangeiros.

No dia seguinte, fomos levados para o Ministério do Interior, para explicar melhor a nossa situação. Já o tínhamos feito, em vão, quando chegámos ao aeroporto. Mas os camaradas que nos receberam não acreditaram na nossa versão. Quando íamos num corredor do ministério vimos - coincidência das coincidências - o Tengarrinha, com um ar desportivo, queimado do sol e do mar. Corremos para ele, abraçámo-lo e explicámos-lhe o impasse em que nos encontrávamos. Disse- -nos que esperássemos um pouco, para ele explicar quem nós éramos. Minutos depois voltou sorridente e disse-nos: "Está tudo explicado, vão comigo para o hotel em que eu estou, no Habana Libre." Assim foi, Ficámos lá quase um mês, percorremos toda a ilha e assistimos a um dos discursos intermináveis de Fidel Castro, perto dele, mas sem termos o privilégio de o conhecer...

Os dias que passámos com Tengarrinha foram excelentes, conhecemos vários escritores cubanos e tivemos grandes discussões políticas. Regressámos em aviões diferentes e nós via Checoslováquia, em avião soviético.

Depois os acontecimentos políticos em Portugal complicaram--se e cada um seguiu o seu destino. No tempo do PREC pouco nos encontrámos e depois, com a normalização democrática que lhe sucedeu, tornámos a encontrar- -nos e a aprofundar a nossa amizade. Fomos ambos deputados às Constituintes. Por tudo isso tive tanta pena de não poder estar presente na homenagem justíssima que lhe fizeram.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt