O regresso de Quentin Tarantino ao volante de um carro assassino
Homenagem do realizador aos filmes 'grindhouse' dos anos 70
O novo filme de Quentin Tarantino, À Prova de Morte (Death Proof no original) é, na verdade, apenas metade de um díptico intitulado Grindhouse; o outro "painel" é assinado pelo seu amigo e colaborador Robert Rodriguez. Inicialmente, estava previsto os dois filmes passarem em conjunto, recriando assim o espírito das habituais sessões duplas em que eram exibidos os chamados grindhouse films. Contudo, havia já a intenção de os separar nos países que não falassem a língua inglesa, nos quais pouca ou nenhuma tradição há de sessões duplas, o que tornava desde logo vazio de sentido o conceito de grindhouse. É assim que surge À Prova de Morte, separado de Planet Terror, o segmento realizado por Rodriguez (que entre nós estreará apenas em Setembro).
Importa, antes de mais, definir o conceito grindhouse. O termo desig-na as salas de cinema, frequentemente decadentes, em que eram exibidos, sobretudo durante os anos 70, filmes de série B baratos e maus em que abundavam as cenas de sexo, a violência gratuita, o gore, as histórias bizarras e outros temas "chocantes" ou "sensacionalistas". Com o tempo, o termo grindhouse passou a designar igualmente o género de filmes que essas mesmas salas de cinema projectavam. Películas também rotuladas como exploitation films, filmes de mérito artístico quase nulo que visavam apenas o lucro rápido. Com o advento do vídeo, nos anos 80, a era grindhouse entrou em crise, e em meados dos anos 90 não havia já um único destes cinemas nos Estados Unidos.
O projecto Grindhouse mais não é que um tributo apaixonadamente reverente dos realizadores aos filmes de série B da sua adolescência. Uma revisitação e recriação nostálgicas das trash nights que as grindhouses exibiam nos anos 70. Assim, À Prova de Morte é puro entretenimento, relativamente frívolo, um pouco como as belas e lânguidas raparigas que o protagonizam, que parecem saídas de um qualquer slasher em que previsivelmente serão carne para canhão. No caso do filme de Tarantino, dir-se-ia que são carne para o "carrão" do assassino psicopata que as persegue desde o início. Ele dá pelo nome de Stuntman Mike (Kurt Russell num regresso em grande), e é um duplo de filmes de acção de Hollywood que usa como arma para matar as suas vítimas um sinistro carro "à prova de morte", especialmente "artilhado" para tal efeito, com uma caveira pintada no capô. Mas como uma das incautas raparigas a quem dá boleia descobrirá, o carro só garante protecção a quem vai no lugar do condutor (neste caso, o lugar do morto tem um sentido fatalmente literal).
À Prova de Morte é um filme de terror, deliberadamente kitsch (recuperando o conceito do "é tão mau que é bom"), inspirado justamente nos clássicos de terror independente dos anos 60 e 70. Em termos visuais, o filme recria o look dos exploitation, com cores fortes e garridas, simulando também a má qualidade da imagem que frequentemente caracterizava os grindhouse. No entanto, a acção decorre nos dias de hoje, o que permite uma reactualização do género. À Prova de Morte foi um fracasso comercial nos Estados Unidos, mas tem alguns momentos bem conseguidos (sobretudo as cenas da violenta colisão frontal e da perseguição de carros). Ganharia, todavia, com um pouco mais de acção (tendo em conta o género de filme em questão) e menos conversa fiada.