Ao contrário do que se temia, não houve incidentes no enterro de Eugene Terre'Blanche, ontem em Ventersdorp, no coração rural bóer da África do Sul. O antigo líder supremacista africânder foi vítima de um crime sem motivação política, mas as reacções emotivas mostraram que os problemas raciais estão a agravar--se naquele país..Os brancos sul-africanos acusam membros do partido no poder (ANC) de fomentarem o ódio racial, com a intenção de expulsarem os descendentes dos europeus das suas terras, segundo o modelo do Zimbabwe. O mais visível destes dirigentes negros chama-se Julius Malema (ver página 30)..Os grupos brancos extremistas, como o Afrikaner Weerstandsbeweging (AWB), o Movimento de Resistência Africânder a que pertencia Terre'Blanche, juraram vingança, depois recuaram. Embora a tempestade tenha amainado, os cinco milhões de brancos (10% da população) sentem crescente insegurança. E os africânderes, que perderam o poder após o fim do apartheid, há 16 anos, têm a demografia contra si..Os bóeres (2,5 milhões) inventaram a expressão "tribo branca de África" e falam uma língua própria, o africânder. Mistura de pioneiros de origem holandesa, alemã e francesa, este povo começou a formar-se com a primeira colonização europeia no Cabo, em 1625, e teve uma história de três séculos de opressão. Durante várias décadas no século XX, os seus políticos tentaram uma experiência social fracassada, o apartheid, com estrita segregação racial. As feridas deste sistema ainda hoje são visíveis na África do Sul..Na realidade, os bóeres não foram a única tribo branca de África. Houve outras experiências, incluindo a portuguesa. Estas histórias assumem especial lugar de sonho e tragédia na colonização europeia. Em África, restam poucas comunidades de descendentes de europeus e a sul- -africana é a maior: há grupos distintos, dos portugueses aos descendentes de ingleses, mas os africânderes (ou bóeres) são os mais numerosos..Durante séculos, devido à sua geografia, o continente africano foi inexpugnável para os europeus. O interior era inacessível e as doenças tropicais impediam a colonização, excepto em alguns pontos da costa e no sul. Foram explorados recursos locais, como ouro e marfim, mas o grande negócio foi a escravatura, uma das maiores transferências populacionais da história e uma terrível catástrofe humana. A África acima do deserto do Sara teve colonização diferente e resistiu melhor ao impacto da civilização europeia. As tentativas de europeus entrarem na zona eram antigas, de que é exemplo a ocupação romana do Sul do Mediterrâneo. Mas a colonização da África subsariana começou sobretudo no século XIX, após inovações que permitiram aos europeus sobreviver naquele clima. Cada império tentou a sua própria estratégia: os portugueses em Angola e Moçambique, os franceses no Norte de África, os ingleses na África do Sul e Quénia..As descolonizações do século passado foram processos traumáticos de limpeza étnica. Exemplos: a expulsão dos colonos franceses da Argélia (um milhão), que ainda hoje são conhecidos pelos pieds noir em França ou os "retornados" das colónias portuguesas (meio milhão)..Pelo caminho tinham ficado tentativas agrícolas, como as do Quénia (retratada no filme África Minha) ou do actual Zimbabwe, onde os brancos tentaram em vão manter-se no poder, acabando por ser expropriados em reformas agrárias com episódios de violência. Os africânderes, que estão há quase quatro séculos em África, temem ser vítimas de um processo semelhante.