O presidente e o prisioneiro

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Apesar de preso em Rondônia numa cadeia de segurança máxima, Fernandinho Beira-Mar, líder da organização criminosa Comando Vermelho, dava instruções aos seus subordinados fora da prisão sobre aquisição de drogas, o passo a passo para processar cocaína, compra de armamento no estrangeiro, lavagem de dinheiro e as melhores redes móveis para fugir ao controlo policial.

A polícia descobriu que Beira-Mar, condenado a 320 anos de prisão, passava um papel minúsculo ao prisioneiro da cela ao lado, que o dava à mulher durante as visitas. Segundo reportagem de 2017 da edição brasileira do El País, esta escondia-o no órgão genital e, já fora da cadeia, entregava-o a outra pessoa, a quem competia digitalizar e espalhar a informação, por e-mail ou telefone, aos destinatários.

Marcola, o líder do Primeiro Comando da Capital, cuja pena é de 330 anos, somou mais um processo ao seu extenso cadastro por ter dado a ordem, de dentro da prisão, para matar o promotor de justiça do grupo de combate ao crime organizado e o coordenador das prisões do estado de São Paulo, informou o portal G1, no ano passado.

A denúncia surgiu depois da localização de cartas no dia das visitas. Nessas cartas, foi descoberto ainda um sofisticado plano de resgate de Marcola, com uso de helicópteros, da penitenciária onde se encontrava.

Fernandinho Beira-Mar e Marcola, os dois mais lendários chefes do crime brasileiro, não são, entretanto, os únicos a controlar as suas atividades de dentro da prisão. Outros criminosos de menor periculosidade, como Valdemar Costa Neto, o fizeram. Mesmo detido em 2012 em Brasília por corrupção e lavagem de dinheiro no escândalo de compra de deputados do primeiro dos governos de Lula da Silva conhecido como Mensalão, Valdemar ditava os rumos do partido a que presidia, o então Partido da República (PR), hoje Partido Liberal (PL).

Dava instruções sobre o comando do Ministério dos Transportes, nas mãos do partido, e traçava metas de desempenho para as eleições seguintes, em animadas reuniões durante as visitas do seu secretário-geral Antônio Carlos Rodrigues.

"Não é por ele se encontrar nesta situação que iremos desprezá-lo", explicava Rodrigues, ouvido pelo jornal O Estado de Minas, em 2013. Outro aliado confidenciava ao jornal que "Valdemar se preparou para a prisão, mas, antes disso, preparou o partido para este momento: da prisão, ele pensa e repassa as estratégias para as próximas eleições."

Cumprida a pena, Valdemar voltou ao controlo efetivo do partido. Apoiou com unhas e dentes o governo Temer, com quem negociou cargos e votos, e viu o seu nome envolvido no escândalo do Petrolão e em todos os outros escândalos adjacentes investigados pela Lava-Jato.

Em campanha eleitoral contra a "corrupção" e a "velha política", Jair Bolsonaro chamava-o de "corrupto" e de "condenado".

"Exclusivo: delator aponta propina [suborno] de 3,5% para PR e Valdemar Costa Neto nos contratos de Furnas [central elétrica estatal]", denunciava em 2016, via Twitter, o vereador Carlos Bolsonaro, o filho 02 do presidente, de olho nos votos que o combate à corrupção garantem.

No início da semana, Jair Bolsonaro anunciou filiar-se ao PL do "corrupto" e "condenado" Valdemar, o político que geria um partido da prisão e está envolvido em dez de cada dez casos de corrupção do Brasil recente. Na véspera do anúncio, o 02 apagou o tweet de 2016.

Jornalista, correspondente em São Paulo

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