O Phelps espanhol que "ganhou a cegueira" tem um novo desafio

Enhamed perdeu a visão de um dia para o outro, quando tinha 8 anos, mas encontrou motivação nas piscinas. Agora, prepara-se para atravessar o estreito de Gibraltar a nado
Publicado a
Atualizado a

Enhamed Enhamed, natural das ilhas Canárias, conquistou a pulso o estatuto de um dos melhores nadadores paralímpicos da história. Aos 29 anos, já conta com nove medalhas paralímpicas, quatro das quais de ouro e a primeira conquistada ainda antes de atingir a maioridade. Agora, prepara-se para aumentar o desafio às próprias capacidades: não deixar que a cegueira o impeça de atravessar, a nado, os 14,4 quilómetros que separam Punta de Oliveros, em Espanha, de Punta Cires, em Marrocos, o famoso estreito de Gibraltar.

Na verdade, Enhamed encara a sua deficiência de uma forma bastante particular: "Eu não perdi a visão, eu conquistei a cegueira", escreveu, na sua autobiografia, realçando que foi a perda da visão que lhe permitiu tornar-se um nadador de sucesso. O espanhol tinha apenas 8 anos quando, da noite para o dia, acordou e já não conseguia ver. "No início precisei de ajuda para tudo, mas graças aos meus amigos e família aguentei-me bem e aprendi a viver com isto. Considero-me um tipo normal. Talvez o que me distinga das outras pessoas sejam as ganas que tenho e o meu ar constante de felicidade", contou o nadador, dono de uma mentalidade bastante positiva, ou não desse ele várias palestras motivacionais em escolas, empresas e outros tipos de auditórios.

Desde muito cedo, Enhamed encontrou vantagens ao ter perdido a visão. "Por exemplo, comecei a poder dormir nas aulas", sorri. "Percebi que a sociedade perde muito tempo a valorizar coisas sem importância, a pensar em problemas que nem existem. Quantas vezes apreciamos o facto de que podemos ver as coisas? Dão tudo por garantido. No meu caso, passei a valorizar mais o que tinha ao deixar de ver", frisou.

Foi aos 9 anos que Enhamed decidiu, então, experimentar o desporto que lhe mudou a vida. "Comecei a nadar aos 9 anos, mas foi aos 13 que isto se tornou verdadeiramente a prioridade na minha vida. A piscina deu-me tudo o que precisava e então tornou-se a minha companheira", recordou. Quatro anos depois, já estava nos palcos paralímpicos, tendo conquistado duas medalhas de bronze em Atenas.
Campeão europeu e mundial em vários estilos, foi em Pequim, em 2008, que Enhamed conheceu a glória olímpica: venceu todos os eventos em que participou, levando para casa quatro medalhas de ouro. A alcunha Michael Phelps espanhol não nasceu por acaso.

Já em Londres, em 2012, Enhamed não chegou às medalhas de ouro, mas levou mais uma de bronze e duas de prata para casa, ele que detém vários recordes mundiais.

Depois do Kilimanjaro, o estreito

Após ter competido nos Jogos de Londres, em 2012, Enhamed tem apostado em experimentar outro tipo de desafios. Logo em 2014, decidiu ascender ao topo do Kilimanjaro, o pico mais alto de África, com 5895 metros de alturas. O alpinista Javier Cruz guiou-o na aventura, com a ajuda de uma equipa que permitiu que o nadador alcançasse o topo.

No mesmo ano, decidiu realizar o Ironman das Canárias, uma das provas de resistência mais duras do mundo, tornando-se o primeiro desportista cego a terminar a prova disputada em Lanzarote, após 13 horas, 53 minutos e 44 segundos a nadar, a pedalar e a correr.

Agora, aproxima-se o desafio mais aliciante: atravessar a nado o estreito de Gibraltar, tornando-se o primeiro nadador cego a conseguir atravessar os 14,4 quilómetros que separam a Europa de África. Enhamed já está a cumprir um novo plano de treino e espera iniciar a aventura no início de abril, obviamente com o auxílio de um guia, neste caso o treinador Fran Utrera.

"A rotina de treinos passa por nadar todos os dias 3500 metros, além de uma hora de exercícios de musculação. Ao sábados, é treino de bicicleta e num outro dia da semana faço remo. É possível que comece esta aventura do estreito de Gibraltar na primeira semana de abril, mas isso também vai depender do estado do tempo", contou Enhamed, que pretende "mostrar à sociedade que tudo é possível" e arrecadar dinheiro com o desafio a que se propõe.

"O dinheiro vai ser aplicado em instalações desportivas na Zâmbia, através de uma ONG. Incentivo todos a colaborar connosco", apelou.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt