O pão que a Gleba amassa

A 16 de outubro comemora-se o Dia Mundial do Pão. O DN falou com Diogo Amorim, criador das padarias artesanais Gleba e que desde 2016 tem tentado reavivar os sabores tradicionais do pão português do tempo dos nossos avós.
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Numa casa portuguesa fica bem pão e vinho sobre a mesa", já cantava Amália Rodrigues no fado Uma Casa Portuguesa. O pão e os portugueses sempre tiveram uma relação muito próxima - com o vinho também, mas isso ficará para outros artigos. Hoje, nas vésperas do Dia Mundial do Pão, que se assinala a 16 de outubro, falamos de pão, alimento essencial que, apesar de nos últimos anos ter visto aumentar a sua diversidade, tem sofrido muito na qualidade.

O problema não é de agora e não aconteceu apenas com o advento dos hipermercados que pululam a cada esquina das vilas e cidades. Segundo Diogo Amorim, CEO e criador das padarias Gleba, "foi com a revolução industrial que a cultura do pão começou a mudar, com o êxodo rural para as grandes cidades. Nesse processo foi necessário produzir pão rapidamente, barato e para muita gente, para além das máquinas que se foram desenvolvendo e também de ingredientes novos que se foram acrescentando". Para Diogo, "a degradação do pão enquanto alimento nutritivo que constituiu a base da civilização euro-asiática durante milhares de anos começou aí".

Mas isso não aconteceu apenas nas grandes cidades. Alastrou aos meios rurais, e o pão que se encontra na grande maioria das vilas e aldeias de norte a sul do país já é muito industrial. "Hoje em dia usa-se muito aditivos, farinhas brancas e para que o produto fique nas prateleiras sem se estragar", explica Diogo Amorim. E dá exemplos: "A popular carcaça é impossível de replicar de uma forma artesanal, é um pouco de massa que expande muito no forno e que tem muito ar, e que leva aditivos para que o pão fique mais leve".

Foi para contrariar isso e reavivar os sabores portugueses do pão que em 2016 criou a padaria e moagem Gleba, assente em três parâmetros: cereais portugueses, moagem em mós de pedra e fermentação longa e natural - que consiste em fermentar o pão com massa que se guarda da amassadura anterior, com riqueza de leveduras. O resultado, segundo Diogo é ter pão mais saboroso, nutritivo, e com sabor distinto. Além disso, garante, é "mais fácil de digerir e mantém-se fresco. sem bolor e sem ficar rijo ". "É muito o pão dos nossos bisavós, das aldeias de antigamente", assegura.

Antes de se dedicar ao pão, Diogo Amorim estudou na Suíça e trabalhou em vários restaurantes de alta cozinha como o Villa Joya, liderado pelo chef Dieter Koschina, no Algarve, e no Fat Duck, do chef Heston Blumenthal, no Reino Unido. "Nesses restaurantes fui-me apercebendo do potencial do pão a nível gastronómico, isto mesmo sendo um alimento que usa poucas matérias primas", lembra. E apesar de muitos restaurantes de alta cozinha terem seguido a tendência de retirarem o pão dos seus menus, nasceu também uma corrente que fez precisamente o contrário e colocou o pão num nível seguinte dando o destaque que o produto merece . "No Fat Duck havia uma equipa muito focada em desenvolver pães com fermentação natural e com excelentes farinhas e foi aí que percebi que havia potencial para fazer pão diferente".

O orgulho que os portugueses têm do seu pão e as saudades que sentem quando estão fora do país foi outra das razões que levaram Diogo Amorim a avançar com a Gleba, mas também foi a diáspora portuguesa que influenciou naquilo que sai hoje dos fornos das suas várias padarias. "Não fazemos exatamente o pão que os nossos avós faziam, temos uma equipa muito jovem e viajada e que viu o que se faz noutros países e por isso usamos processos de fermentação diferentes, sementes e receitas um pouco fora da caixa, e também bebemos muito do receituário de outros países como a França e Alemanha". Contudo, explica que há uma identidade muito local, portuguesa "sobretudo a nível de sustentabilidade porque apenas trabalhamos com produtores locais"

Entre as variedades de pães que a Gleba produz, é o de trigo Barbela - um trigo português do Alentejo - que é o mais vendido. "Tem uma fermentação bastante longa, foi o primeiro pão que desenvolvemos". Atualmente têm dezenas de variedades, com 15 massas diferentes e cada uma dessas massas com diferentes formatos. "Todos os dias temos dois pães especiais diferentes", indica. A Gleba tem oito lojas, todas na área de Lisboa e Cascais, e o objetivo por agora é consolidar e reforçar nesta zona. "O crescimento de uma para oito lojas foi muito rápido. No futuro logo se verá."

Além desses espaços, o pão que a Gleba amassa pode ser encontrado em vários restaurantes e hotéis desde o Alma, do chef Henrique Sá Pessoa, que tem duas estrelas Michelin, ao Prado, do chef António Galapito, entre muitos outros. No próximo domingo, no dia mundial do pão, o DN publica a receita do pão de trigo Barbela para os leitores fazerem em casa.

Diogo Amorim dá duas dicas essenciais para manter o pão fresco por mais tempo em nossas casas.

1. Para consumir a curto prazo (dois ou três dias), guardar o pão num saco de pano. "É bom porque o pão respira e não tem a mesma tendência para ganhar bolor. Mas faz mais sentido com o tempo frio".


2. No verão, para conservar mais tempo, "guardar num saco de plástico hermeticamente para guardar no frigorífico - aguenta um mês; e num congelador aguenta meio ano, desde que bem fechado".

filipe.gil@dn.pt

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