O país social-democrata

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O espaço político-partidário português decisório situa-se ao centro, no qual se jogará o futuro próximo de Portugal.

Historicamente, sabe-se como a dinâmica partidária nacional foi intensa imediatamente antes e depois do 25 de Abril de 1974. Os movimentos comunistas, mais ou menos radicais, provinham da luta acérrima contra o Estado Novo e situavam-se naturalmente à esquerda e na extrema-esquerda, esta, inclusivamente, defendendo a "ditadura do proletariado". O chamado "socialismo democrático" do Partido Socialista (PS) defendia uma transformação radical das estruturas económicas e sociais portuguesas, sem sacrificar a liberdade. Isto, enquanto alguns nomes originários do regime se afastaram deste antes do 25 de Abril e também fariam parte da fundação da democracia, situando-se convenientemente ao centro. Houve um dilema conjuntural e constitutivo na esfera político-partidária. O "socialismo democrático" foi o resultado de um jogo de palavras por conveniência do PS no pós-25 de Abril, contra algo que seria o "socialismo não-democrático", figura inexistente no atual panorama parlamentar português, pelo que o primeiro epíteto deixa de fazer sentido, mas também é verdade que o Partido Social Democrata (PSD) tentou a entrada na porta da Internacional Socialista, com boicote de Mário Soares, e validou o jornal da JSD intitulado "Pelo Socialismo", que chegou a ser dirigido por Paulo Portas. O centro inclinou-se para a esquerda, deixando ao Centro Democrático Social (CDS) esse lugar que Freitas do Amaral convenientemente propalou, se bem que efémero.

O PS e o PSD evoluíram à imagem da social-democracia sueca de Olof Palme, como defensores do progresso através de reformas graduais, mas herdeiros das incoerências iniciais decorrentes do estado revolucionário em Portugal.

Olof Palme foi um dos maiores exemplos da social-democracia, tendo levado mais longe do que qualquer outro político a ideia de conciliar uma economia de mercado com um estado social. Durante o seu governo, a Suécia teve uma economia forte e os níveis de assistência social mais altos no mundo. É certo que, nas décadas após o seu assassinato, a social-democracia sueca teve dificuldades em se modernizar, mas esta ainda é uma referência, designadamente, pela criação do Serviço Nacional de Saúde e pelas reformas na educação e na segurança social, vetores sempre essenciais num modelo social europeu.

Se por um lado se defende que os eleitores estejam dependentes do que o Estado lhes ofereça com base na utilização dos impostos, por outro lado defende-se que o Estado promova o crescimento económico para que a melhoria dos rendimentos e o bom desempenho empresarial o financiem nas suas visões de modernização. Neste dilema, resta saber qual é a atual agenda social-democrata, nas decisões estratégicas e nas reformas de regime em Portugal.

Em vez de se tornarem em campos de batalha com picardias entre diferentes fações ou máquinas de poder que eventualmente funcionem ao sabor dos interesses particulares e corporativos, os partidos do centro devem atualizar o ideário e o capital social-democrata e criar um horizonte programático claro, entre a estatização maioritária defendida pela esquerda e as leis do mercado das teses liberais do Estado mínimo defendidas pela direita. Importa conhecer, antes das eleições, os rumos para a justiça, a cultura, o ensino, a segurança social, o ordenamento do território, a regionalização, o ambiente, a agricultura, o turismo, por exemplo. Espera-se uma agenda em vez do conflito. Espera-se um alinhamento reformista em vez da política reativa. Espera-se, enfim, um conjunto de ações que devolvam à classe média um poder de compra que ajude a reanimar a economia.

Em muitos países, parte do eleitorado tradicional da social-democracia transferiu-se, mas em Portugal o centro político-partidário não pode deixar cair esse ideário, consubstanciado em políticas públicas de desenvolvimento económico e de proteção social e na representação de um espectro social balizado entre os trabalhadores menos qualificados e as classes médias do privado e do público.

Na sua essência, a social-democracia é moderada. E hoje tem um desafio hercúleo em Portugal, num país em que, por analogia, a costa está em erosão, mas os rios ainda correm.

Professor Universitário

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