O novo ano irá trazer mais caos ao Afeganistão

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No meio de todo o caos no Médio Oriente, da queda de fronteiras e de Estados, há uma nova ameaça a emergir rapidamente. Depois de 15 anos de ocupação por tropas ocidentais e um milhão de milhões de dólares gastos, o Afeganistão parece estar agora a dirigir-se para o Levante. Se 2016 for uma repetição do caos e do derramamento de sangue deste último ano (2015), então não se pode esperar que o Afeganistão se mantenha unido.

Um governo fraco em Cabul provou ser incapaz de forjar um consenso político. O movimento talibã está com uma nova força, enquanto outros grupos semelhantes controlam grande parte das províncias afegãs. E isso - com o fator potencial de propagação do Estado Islâmico - significa que o Afeganistão está provavelmente pior hoje do que quando as forças estrangeiras intervieram em 2001. Vai ler-se muito pouco sobre este problema porque o Afeganistão é agora considerado pela maioria dos líderes ocidentais um problema antigo. Mas esperamos ouvir mais sobre o Afeganistão durante o próximo ano, porque uma situação má está a tornar-se muito pior.

A Espanha juntou-se à missão dos Estados Unidos no Afeganistão por uma razão simples: para depor os talibãs e introduzir um novo governo estável. Na época, argumentou-se que havia muitos intervenientes moderados que iriam, com um estímulo do Ocidente, tomar de novo o poder e devolver a estabilidade ao país. Mais de 3400 soldados norte-americanos e da NATO morreram durante esta missão, incluindo cerca de cem militares espanhóis. Recentemente, mais dois polícias espanhóis foram mortos em Cabul.

Os talibãs estão agora de regresso e capturaram recentemente a sua primeira cidade desde que perderam o país para as forças dos EUA em 2001. Kunduz, com uma população de 300 mil habitantes e uma posição estratégica na fronteira com a Ásia Central, tinha estado sitiada durante grande parte deste ano, mas um ataque-surpresa levado a cabo por algumas centenas de talibãs após um feriado religioso derrubou as suas defesas e as forças de segurança precisaram de duas semanas para retomar a cidade.

A queda de Kunduz levou a uma retirada em larga escala de pessoal das Nações Unidas, agências de ajuda ocidentais e diplomatas, prejudicando ainda mais a ajuda humanitária e os empregos para os afegãos em todo o país. Assim, qual é o nível de segurança do Afeganistão agora? Os diplomatas americanos só se deslocam para reuniões de helicóptero, até mesmo dentro de Cabul. Os talibãs controlam quase todos os principais sistemas rodoviários do país, os quais podem ser fechados por eles quando assim o decidirem, isolando Cabul e outras cidades e proibindo o fornecimento de alimentos e o comércio originário de seis países vizinhos.

Os afegãos constituem o segundo maior contingente de requerentes de asilo que chegam à Europa. De acordo com as estatísticas da ONU, eles constituem quase 15% do total de 650 mil que chegaram à Europa entre janeiro e agosto. Muitos deles são famílias de classe média, com educação superior, que tinham bons empregos enquanto as forças estrangeiras estavam no seu país.

As autoridades em Cabul dizem que os talibãs representam uma grave ameaça para mais de metade das 34 províncias do país. Destas, meia dúzia está em perigo de cair completamente sob o controlo talibã, possivelmente quando começar a ofensiva da primavera. A queda de qualquer uma destas províncias iria causar ainda mais pânico em Cabul.

A decisão do presidente Barack Obama, em outubro, de manter 5500 soldados norte-americanos no Afeganistão para lá de 2017 - quando ele tinha prometido anteriormente que todas as forças norte--americanas deixariam o país antes do fim do seu mandato, dentro de pouco mais de um ano - irá garantir que o país se manterá algures dentro da agenda internacional, mas não vai ajudar realmente a derrotar os talibãs. O número prometido é pouco mais de metade da força atual de 9800 homens, que tem sido incapaz de parar as vitórias dramáticas dos talibãs.

Ficarão também cerca de quatro mil soldados da NATO. Infelizmente, o legado de Obama para o seu sucessor deverá ser exatamente o mesmo que ele recebeu de George W. Bush - uma guerra sem solução e uma situação militar crítica que ameaça desestabilizar a região. Existe um alarme generalizado a espalhar-se pela Ásia Central enquanto os talibãs ocupam território nas suas fronteiras com o Afeganistão.

Entretanto, as tentativas do Paquistão para mediar as conversações entre o regime de Cabul e os talibãs entraram em colapso logo após uma única ronda. A primeira ronda de negociações, realizada a 7 de julho, foi apoiada pela China, pelos EUA e por todos os vizinhos do Afeganistão na Ásia Central. Mas foram suspensas novas conversações devido à deterioração da situação militar e às disputas dentro do próprio movimento talibã.

Para o novo líder do movimento, o mullah Akhtar Mansour, a ofensiva em Kunduz foi uma jogada política astuciosa. Ele enfrentou a oposição interna à sua liderança - em parte porque ele e outros seis talibãs mantiveram em segredo que o líder fundador, o mullah Mohammed Omar, tinha morrido há mais de dois anos. Mansour governou em nome de Omar durante dois anos e construiu a sua base de poder. Mas quando a notícia se tornou pública ele perdeu a confiança de muitos comandantes e, recentemente, alguns comandantes tentaram matá-lo num tiroteio. Mansour sobreviveu mas ficou gravemente ferido.

Também o EI está a acumular território e poder em pelo menos três províncias. Os seus membros são em grande parte ex-talibãs desgostosos com os seus próprios líderes, mas parecem ter ligações e ajuda financeira de líderes do EI na Síria.

A tragédia é que o governo afegão é demasiado fraco para tirar proveito da fragmentação dos talibãs ou para evitar que os seus cidadãos combatam em guerras alheias na Síria. Embora o governo de Ashraf Ghani tenha sido formado após as eleições de há um ano (que resultaram no acordo de partilha do poder com o rival Abdullah), ele ainda tem de nomear um ministro da Defesa ou outros ministros. O governo não conseguiu combater a corrupção e fortalecer a economia e está literalmente a ficar sem dinheiro. Há uma fuga de capital do Afeganistão em larga escala - especialmente para o Golfo.

Ao contrário do seu homólogo iraquiano, que colapsou em grande parte devido às ofensivas do Estado Islâmico, o exército afegão regular provou que consegue lutar. Mas sofreu pesadas baixas: mais de cinco mil agentes de segurança afegãos foram mortos até à data, só em 2015, o dobro do número no mesmo período no ano passado. O que falta às tropas afegãs é uma boa liderança e uma força aérea, o que os governos ocidentais não conseguiram fornecer.

O Ocidente tem carecido de uma estratégia global para conter os talibãs e ajudar a criar uma ordem política estável. E isso vem no seguimento do seu fracasso anterior em convencer o Paquistão a abandonar os talibãs há muitos anos. Agora, os EUA e a Europa parecem ter perdido o interesse no Afeganistão.

A não ser que haja um retorno inesperado à mesa das negociações de paz, a primavera irá provavelmente anunciar uma ofensiva dos talibãs em todo o país. É pouco provável que o Ocidente venha em socorro do governo afegão. A possibilidade de um regresso dos talibãs ao poder - pelo menos no seu feudo do sul - deixou de ser improvável. O resultado será uma maior desestabilização do Paquistão e da Ásia Central, criando condições perfeitas para a expansão do EI. Depois de centenas de vidas perdidas no Afeganistão e milhares de milhões de dólares gastos, o pior pode muito bem ainda estar para vir.

Jornalista e investigador paquistanês

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