1. Por mais otimista, por temperamento ou qualquer outra razão, que queiramos ser - e eu tenho essa tendência -, os tempos que vivemos, nos últimos anos, objetivamente considerados, conduzem-nos, necessariamente, ao pessimismo, senão mesmo ao desespero, quanto ao futuro próximo. A crise financeira, que tem vindo a corromper a União Europeia, da Zona Euro ou não, e antes os Estados Unidos, mesmo já durante o mandato de Barack Obama, apesar das suas boas ideias, cercado como está pelos republicanos, ultraconservadores e fanáticos, impõe-nos um grande mal-estar. Mas não só..A frustração decorrente da chamada "primavera islâmica", que nos levou a pensar na vitória da democracia, naquela importante região do mundo, empurra-nos no sentido contrário. Porquê? Porque em quase todos os países tocados pela referida "primavera" é o que tem vindo a acontecer. Vide o Egito, um Estado central no universo muçulmano, apesar da vitória do Presidente, eleito pelos Irmãos Muçulmanos, e da luta contra os militares, continua a não ser nada fácil..Também a Líbia, o Iémen e agora, principalmente, a Síria, onde o governo de Bachar al-Assad organizou, para se manter no poder, uma carnificina generalizada e inaceitável das suas populações, que perdura acerca de um ano. E a ONU não tem sido capaz de se impor, por causa do veto russo. Nem a NATO - uma vez que interveio na Líbia - nem o Tribunal Penal Internacional, apesar das repetidas condenações e do horror intolerável com que vê a opinião pública mundial tal situação. Há dias foi abatido um avião turco no espaço aéreo internacional..E o pior é que a violência e a carnificina podem vir a alastrar para o Líbano, com as consequências daí resultantes, e ainda a atiçar o conflito latente entre o Irão e Israel. Um perigo enorme! Hipótese, que deve ser afastada por todos os meios..Pelo contrário, a Tunísia, onde a "primavera islâmica" se iniciou e a democracia tem, de um modo ou outro, progredido, deve ser apoiada, como os dois principais Estados do Magrebe - a Argélia e Marrocos - apesar das suas contradições internas. Mas parecem poder progredir sem confrontações violentas de maior. .A Península Ibérica e os seus dois Estados - Espanha e Portugal - não devem esquecer a importantíssima necessidade de apoiar a paz no Mediterrâneo Ocidental, uma vez que no Mediterrâneo Oriental a situação é bem mais complexa e preocupante..Não esqueçamos que a inoperância gravíssima da ONU tem vindo a manifestar-se perante as dificuldades que em diferentes partes do mundo têm ocorrido. Ultimamente, foi o que aconteceu na Conferência das Nações Unidas, realizada no Rio de Janeiro, vinte anos depois da que tinha ocorrido no mesmo local, com enorme sucesso..Tive a honra de ter participado nessa conferência histórica e de ter usado da palavra, por pressão do então presidente brasileiro Collor de Mello, na sessão inaugural. Foi a chamada Cimeira da Terra, que lançou as bases de uma política de de-senvolvimento capaz de defender os recursos ameaçados do nosso planeta..Vinte anos depois a deceção foi enorme porque se repetiu o fracasso da Cimeira de Copenhaga, em 2009, apesar dos esforços do Governo do Brasil, como país anfitrião. O Le Monde escreveu: "o Brasil ganhou, pelo inteligente empenhamento que manteve, mas o Planeta perdeu", porque se não tomaram as medidas necessárias. Nas ONG presentes foi a deceção generalizada, dado que lutaram, em vão, pela redução das ameaças que pesam dramaticamente sobre a nossa Casa Comum, a Terra..Assim vai o mundo, desregulado e inseguro....2. Um Governo à deriva Está fora de questão a legalidade do atual Governo português. O eleitorado elegeu-o, num momento de acentuada crise. E o povo é quem mais ordena. Mas isso não significa que o Governo faça o que quer, sem dialogar com a população, com os parceiros sociais e com os partidos com assento no Parlamento. Diálogo que deve ser prévio às medidas que vai tomando e não depois de as ter tomado, como tem acontecido..Para um observador atento, e após um ano excessivamente penoso, para quase todos os portugueses, sobretudo para os mais pobres, desempregados ou não, para a classe média, que está, numa percentagem razoável, a entrar numa "pobreza envergonhada", parece óbvio que o Governo está à deriva, sem explicar a estratégia a seguir para vencer a crise. E, por isso - mas não só -, dadas as medidas tomadas, que têm provocado um descontentamento, em ascensão, em todos os sectores da população portuguesa, de norte a sul, e mesmo nas elites. .Ora o Governo parece não se dar conta desta situação que, mais tarde ou mais cedo, o vai colocar numa posição impossível, estilo não poder descer à rua. No seu próprio partido há críticos que não temem dizê-lo, lúcida e claramente. No domingo passado os dois líderes dos partidos da coligação - Passos Coelho e Paulo Portas - falaram ao País pela televisão. Era a véspera da Moção de Censura do PCP. Palavras de grande otimismo. Mas os números não enganam. Tremenda responsabilidade dos líderes perante o descontentamento geral dos portugueses!.Sucede que o primeiro-ministro e alguns dos seus ministros mais próximos são, antes de tudo, ideólogos neoliberais, consumados e convictos, cegos para as realidades sociais, por mais gritantes que sejam. Como se tem visto nas medidas tomadas e na legislação realizada ou anunciada. A legislação de trabalho pôs em fúria os sindicatos; a destruição em marcha do Serviço Nacional de Saúde; o empobrecimento em geral, que tem vindo a atingir tanto os portugueses e levado a maioria das famílias ao desespero, como tantos portugueses e a própria Igreja têm vindo a alertar. Mas não só. O descontentamento profundo nas universidades, nos municípios e nas freguesias, nas Forças Armadas e nas polícias, nos funcionários públicos, etc., perante cortes e mais cortes, alguns sem sentido, que os portugueses sentem na pele, sem ver qualquer luz de esperança no fundo do túnel, começa a tornar-se intolerável..É certo que o primeiro-ministro não esconde a situação. Tem dito a verdade e sempre com um sorriso. Mas não convence senão os seus próprios correligionários e não todos. Parece ignorar completamente as pessoas e os estragos que as suas medidas têm provocado no tecido empresarial português e na população em geral. A economia paralela aí está, em grandes proporções, tornando-se um quase hábito. Por isso as receitas dos impostos têm vindo a baixar e as próprias grandes empresas (e os supermercados) estão a sofrer com isso..Discípulo confesso da chanceler Merkel, o primeiro-ministro parece não ver o isolamento político em que a líder alemã hoje se encontra, por toda a Europa e no seu próprio país. E não tem dialogado suficientemente com os seus homólogos europeus. Sem excluir o seu vizinho e correligionário de Espanha, Mariano Rajoy, que tem escolhido até agora uma política bem mais realista do que a sua..Pelo contrário, tem visitado, como primeiro-ministro, mas mais parece como comerciante, alguns Estados ibero-americanos, para que lhe comprem ações de empresas do Estado português. Por que preço? Ignora-se. Parece querer privatizar sem que essa intenção governamental tenha sido discutida no Parlamento e explicada aos portugueses. É mau. E faz cair, sobre os membros do Governo, uma enorme responsabilidade. .Como patriota, confesso que me doeu profundamente quando vi o primeiro-ministro de Portugal na televisão (que levou consigo) fazer um choradinho para convencer os seus interlocutores a comprarem as ações da TAP, imagine-se, tão prestigiada e admirada pelos portugueses e em especial pelos nossos emigrantes, a ser vendida a retalho para que um Estado como a Colômbia, por mais amiga nossa que seja, compre. O que se pensará de Portugal, com um tal Governo, que dirige um Estado com nove séculos de História nas mesmas fronteiras?.O Senhor Primeiro-Ministro afigura-se, infelizmente, como um comerciante que pôs à venda o seu País. Não é, mas já foi. Agora é uma alta figura do Estado português e deve comportar-se como tal. Custa-me dizê-lo, mas é o que sinto: uma posição como a que tomou o primeiro-ministro na Colômbia - e foi vista por milhares de portugueses - contribui seguramente para o desprestígio do Governo. E certamente terá chocado milhões de portugueses que amam acima de tudo a sua Pátria..3. O Museu da Politécnica Era assim que se chamava o que hoje se intitula Museu Nacional de História Natural e da Ciência, a que também se encontra associado o célebre Jardim Botânico. Visitei-os na quinta--feira passada, a convite do seu diretor, Professor Doutor José Pedro de Sousa Dias, e das vice-presidentes Ireneia Melo e Marta Lourenço e ainda da professora, já reformada, mas apaixonada pelo Museu, Luísa Corte Real, que foi, aliás, quem mais me estimulou para fazer uma visita guiada às duas instituições, hoje completamente modernizadas. O Magnífico Reitor, Sampaio da Nóvoa, não pôde estar presente, mas teve a enorme gentileza de me escrever e oferecer um belíssimo livro, em português e inglês, sobre o Jardim Botânico de Lisboa..Conheço bem as duas instituições, hoje remodeladas, como disse, desde os meus tempos de estudante de Letras. Foi de uma janela do primeiro andar, da Politécnica, que, a mando de Mário Ruivo, então estudante de Biologia e antifascista, fiz o meu primeiro discurso político, às massas, quando acabou a II Grande Guerra na Europa e os jovens antifascistas de então organizaram uma manifestação de regozijo memorável. Julgávamos que era o fim da ditadura. Mas enganámo-nos. .Depois veio a depuração política de grandes professores, ordenada por Salazar, que atingiu figuras muito reputadas da Ciência, como o Prof. Manuel Valadares, Zaluar Nunes e outros. Anos depois, fui muitas vezes conspirar nos gabinetes da Politécnica, com os Profs. Torre da Assunção e Francisco Mendes, meus amigos e camaradas. O tempo passou e um dia fui surpreendido com o incêndio terrível da Politécnica. A Faculdade de Ciências passou então para o Campo Grande e a Politécnica ficou numa espécie de decadência..Em outubro de 2011 o Conselho Geral Universitário criou a Unidade dos Museus da Universidade de Lisboa com a designação provisória de Museu Nacional de História Natural e da Ciência, integrando o Jardim Botânico. Foi o que agora visitei com muita atenção, assombro e enorme admiração. O património histórico que está exposto é digno de ser visto mesmo por estrangeiros. Aconselho muito os meus leitores que visitem as duas instituições. Vale a pena fazê-lo.