O meu "Barão Trepador"

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Férias! Os miúdos primeiro e depois nós. E é neste hiato, nesta frecha de tempo não-coincidente, que antes de termos aquele tempo de qualidade veraneante com os nossos filhos, que eles se revoltam contra a presença paterna e desaparecem dentro das suas florestas digitais.

Cosimo Piovasco di Rondò, tal como idealizado por Ítalo Calvino no Barão Trepador (1957), é um jovem e nobre italiano do séc. XVIII que se revoltou contra a autoridade do seu pai, trepou para cima das árvores e não mais desceu. Ali ficou, para o resto da sua vida numa clara atitude de força.

É assim que me sinto nestas semanas que antecedem agosto, quando vejo o meu "Barão Trepador" mais velho a desaparecer na floresta digital instalada no quarto.

Estes Barões Trepadores, operam num nível diferente do sistema de navegação humana vigente a que podemos chamar, genericamente, de "mundo físico e humano". Os seus contactos com este mundo físico são pontuais, interferindo e modificando o quotidiano e criando outras tradições provisórias através dos indícios da sua vivência nas suas florestas digitais. Quando se recolhem para as árvores, ou seja, para os jogos e para as conversas online, a visão que retêm do mundo físico é fragmentada, resultante daquilo que é apenas visível por entre os ramos, que é como quem diz, apenas visível pelos fragmentos de luz e sons que entram pela fresta da porta do quarto.

A relação entre os Barões Trepadores e os seus pais está, assim, sempre carregada de surpresas e de novas perplexidades. A única não-novidade é o facto de as suas vivências serem paralelas e não-coincidente com a dos pais.

Os miúdos lá conseguem permanecer embrenhados na tecnologia para o resto das suas vidas, leia-se o verão, adaptando-se eficazmente a uma existência no meio de uma floresta de cabos e consolas onde caçam lanches de mansinho, alimentam o seu status digital, jogam vários jogos com amigos que estão noutras geografias da terra, e até conseguem manter casos amorosos via WhatsApp ou via TikTok.

Os Barões Trepadores vão ganhando perícia e entusiasmo, à medida que os dias passam. Vão-se habituando a este estilo de vida, e, lá em cima, isolados num metaverso paralelo, saltitam entre os jogos, vídeos e mensagens.

Felizmente agosto está à porta. É tempo de serrar a árvore do meu e fazê-lo cair, para que volte a abraçar a realidade.

Designer e diretor do IADE - Faculdade de Design, Tecnologia e Comunicação da Universidade Europeia

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