A possibilidade de a Turquia vir a integrar a União Europeia, reiteradamente admitida em sucessivas conversações de Bruxelas com Ancara, acaba de ser, uma vez mais, posta em dúvida. Fosse porque a senhora Merkel não quer, de modo algum, alarmar o seu eleitorado; fosse porque a última conferência do Papa trouxe à memória afirmações de Ratzinger, enquanto cardeal, que rejeitavam tal hipótese, visto a Turquia, como Giscard d'Estaing também já tinha argumentado, "pertencer a outro continente"; fosse, enfim, porque a Comissão receia uma Europa com tais dimensões e, sobretudo, com tais variações, o facto é que os defensores de uma Europa "culturalmente homogénea" voltaram à liça..A força dos argumentos invocados, valha a verdade, é mais aparente do que real. Quem andar pela Turquia e visitar Edirna, Pérgamo, Éfeso, Esmirna ou Bodrum, a antiga Halicar- nasso, reconhecerá que esses lugares estão mais perto da matriz da civilização ocidental, inclusive na sua dimensão cristã, que de qualquer outra. Alguns deles, como Mileto, são até referências sem as quais a história dessa civilização ficaria truncada. E quem reparar no modo de vida que há hoje em algumas das principais cidades turcas reconhecerá decerto que é talvez mais europeu e cosmopolita que o da capital de alguns países que já aderiram à União. .Eu sei que a razão é outra e que a homogeneidade de que se está a falar tem sobretudo a ver com o receio de que a segurança no interior da "velha Europa" fique em risco, por via da imigração proveniente de várias culturas e religiões. Esse problema, no entanto, já existe, e não creio que ele se resolva mediante a construção de uma paliçada espiritual, onde ilusoriamente os povos de origem judaico- -romana estariam protegidos. A tensão actual entre o Ocidente e o Islamismo não se resolve mediante o fechamento, aliás impossível, de cada cultura. Conforme alguém lembrou recentemente, vêem-se mais rostos cobertos em Londres ou Paris do que em Istambul. Essa tensão apenas se atenuará quando certos valores, como o direito, as liberdades individuais e a tolerância, forem tidos por inegociáveis. A Turquia tem feito um longo caminho nessa direcção, primeiro para sair do fundamentalismo teocrático, mais recentemente para sair da ditadura. Bater-lhe agora com a porta é convidá-la a fazer o caminho inverso e a ingressar no clube dos que fazem do combate ao Ocidente a sua razão de ser.