O Livro da Selva: uma aventura também para os sentidos

A nova versão cinematográfica de O Livro da Selva chegou ontem às salas. Fruto de uma avançada tecnologia digital, mesmo a fala dos animais não quebra o charme realista
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Com a questão das alterações climáticas a permanecer na ordem do dia, o regresso ao cinema de uma das mais belas narrativas de sempre sobre a relação do homem com a natureza selvagem talvez não seja coincidência. O Livro da Selva, de Rudyard Kipling, escritor Nobel da Literatura que nasceu há 150 anos (data assinalada em dezembro passado), dá assim as bases para uma nova adaptação, que segue as linhas da primeira versão da Disney, realizada por Wolfgang Reitherman, em 1967, recriando no formato digital todo o ambiente e animais da selva indiana.

Apenas Mogli (Neel Sethi), a figura humana isolada neste cenário, é um menino de carne e osso. Jon Favreau, conhecido pela saga do Homem de Ferro e O Chef, é o nome que assina esta mais recente abordagem ao clássico juvenil da literatura britânica, e da Disney (também aqui coprodutora).

"Cresceu e fortaleceu-se, como há de forçosamente acontecer ao rapaz que não sabe que está a aprender lições e que não tem no mundo em que pensar senão no que há de comer." Assim se lê logo nas primeiras páginas de O Livro da Selva, editado em Portugal pela Livros do Brasil, agora recuperado pela Porto Editora, com as ilustrações originais do pai do escritor.

As leis da selva

A história de Mogli, a criança que cresceu numa alcateia, disciplinada pelas "leis da selva", e sob a vigilância e proteção da pantera negra Baguera, já inspirou várias adaptações ao cinema, mas nem todas são memoráveis. Vale a pena evocar apenas uma, anterior à animação da Disney: O Filho da Selva (1942), de Zoltan Korda, que tinha como protagonista o ator indiano Sabu, rosto de excelência do imaginário oriental que encontramos, ainda antes, por exemplo, em O Rapaz do Elefante (1937), igualmente baseado num conto de Kipling.

Sem sublinhar demasiado essa referência oriental do livro, a não ser, claro, através da cor de pele do pequeno ator Neel Sethi, o novo filme de Favreau alcança o seu mérito sobretudo na justa economia narrativa, a que se reúnem as irrefutáveis qualidades (neste caso) da imagem digital, trabalhada graficamente com tanta perícia, que mesmo a fala dos animais não quebra o charme realista - efeito reforçado se visto em 3D.

Este O Livro da Selva, à semelhança da animação da Disney, centra-se na fuga inevitável de Mogli para junto da civilização humana, sob a ameaça de ataque do tigre-de-bengala, Shere Khan. A pantera Baguera, dotada com a voz sábia de Ben Kingsley, será o seu guia nesta jornada involuntária, que se transforma numa deleitosa aventura de encontros fortuitos. A serpente Kaa (Scarlett Johansson) protagoniza o primeiro desses encontros com a perigosa sedução que caracteriza o interior da floresta. Mas logo aparece o bon vivant urso Balu em auxílio de Mogli.

Sempre com um pé no legado

Com a adequadíssima voz preguiçosa de Bill Murray, Balu é, sem dúvida, o grande responsável pelos momentos mais prazerosos do filme, como aquele em que, deslizando nas águas de um rio com Mogli sobre a barriga, canta o famoso tema Bare Necessities, que chegou a estar nomeado para o Óscar de melhor canção original, em 1968. Mas há ainda o episódio alucinante no templo dos macacos, em que um gigantesco rei Louie (Christopher Walken) tenta convencer o rapazinho a dar-lhe o segredo da chamada "flor vermelha", o fogo - esse misterioso e destruidor elemento dominado pelo homem. Aqui há novamente oportunidade para mais uma recriação de um número musical, I Wanna Be Like You, que equilibra assim as opções de como contar esta história, sempre com um pé no legado do filme de animação dos estúdios Walt Disney. A ideia de Favreau era deixar prevalecer a luminosidade que esse clássico do cinema contrapôs ao lado mais sombrio da narrativa de Rudyard Kipling.

Além do largo interesse do cinema n"O Livro da Selva, é também como obra fundadora do imaginário dos primeiros anos de escutismo, na secção dos "Lobitos", que esta quintessência de Kipling se mantém presente, nos bons ensinamentos do dia-a-dia.

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