O futuro do cinema português

Numa altura em que as curtas-metragens portuguesas estão em alta após a vitória de <em>A History of Mutual Respect</em>, de Gabriel Abrantes e Daniel Schmidt, no Festival de Locarno, a NS’ revela os rostos da nova geração de cineastas em Portugal. Para isso, foi até ao festival Curtas de Vila do Conde.
Publicado a
Atualizado a

O Curtas Vila do Conde, um dos maiores festivais de curtas-metragens do mundo, fez este Verão 18 anos e, passe o cliché, atingiu  a maioridade com a capacidade de ainda nos revelar o futuro do cinema português, o espaço certo para encontrar novos talentos.  Em Vila do Conde 2010 houve filmes portugueses para todos os gostos. Sentiu-se variedade, vontade de arriscar.  Estes jovens são uma aposta de um futuro da nossa arte cinematográfica. O único desejo comum é fazer cinema de qualidade, entre o documentário, a ficção e as propostas mais experimentais. Isto numa altura em que outro cineasta júnior que passou pelo Curtas, Gabriel Abrantes, venceu recentemente o Leopardo de Ouro em Locarno, com a curta A History of Mutual Respect.


Gabriel Abrantes, 25 anos

Foi revelado o ano passado em Vila do Conde com a curta Too Many Daddies, mas foi no IndieLisboa que ganhou o prémio de melhor curta com A History of Mutual Respect, feito a meias com o norte-americano Daniel Schmidt, um dos objectos mais singulares do cinema português desta década. Logo a seguir, veio a aclamação com o Leopardo de Ouro, em Locarno. Gabriel está entre o cinema e as artes plásticas, tendo vencido o Prémio BES Jovem Artista. O seu rosto é tão carismático que faz que seja actor nos seus próprios trabalhos. A sua língua materna é o inglês já que nasceu e foi criado nos EUA.

O que pode dar ao cinema português: «Quero é que acabem de chamar cinema e português ao nosso cinema…»

Herói cinema nacional: Margarida Cordeiro e António Reis.


Basil da Cunha, 23 anos

Nasceu na Suíça de pais portugueses nortenhos. Está entre Portugal e a Suíça. Antes da vitória na competição nacional em Vila do Conde, fez algumas curtas na Suíça sem dinheiro e entre amigos. La Loi du Talion anteceu À Côté. Diz estar agora entre os esquecidos da sociedade e elege a Reboleira como um dos seus locais preferidos.

À Côté: «É uma crónica sobre aqueles gajos das obras. Apetece-me estar entre eles…Apetecia-me filmá-los. A história não é particularmente pessoal.»

O que pode dar ao cinema português: «Eu adoro cinema português. Acho que posso trazer o meu olhar, mostrar as personagens que me atraem…»

Herói cinema nacional: Pedro Costa.

André Santos, 25 anos

Ao longo dos anos, tem partilhado com Marco Leão um caminho de cinema. Antes de Cavalos Selvagens, já tinham formado dupla em A Nossa Necessidade de Consolo, uma curta-metragem documental. Depois de se ter formado em Publicidade e Marketing, foi para a escola Restart, tendo começado logo a trabalhar como director de fotografia.

Cavalos Selvagens (co-realizado por Marco Leão): «Visão sobre a intimidade de uma relação entre dois rapazes. Uma relação que está a atravessar um período frágil. Eles não conseguem viver um com o outro, mas também não conseguem viver separados.»

O que pode dar ao cinema português: «Tem-se sempre algo para dar. O quê? Não sei… Mas tenho…»

Herói do cinema nacional: o trabalho de Sandro Aguilar.

Rodrigo Areias, 31 anos

Fez já uma longa-metragem, Tebas, que nunca teve estreia comercial. Há dois anos venceu em Vila do Conde com Corrente, tendo depois disso estado mais envolvido como produtor com a Bando à Parte, a sua promotora. É uma espécie de enfant terrible do cinema português e, com o dinheiro para uma curta, conseguiu fazer uma longa. Chama-se Estrada de Palha e será a sua primeira longa-metragem a estrear no cinema.

Golias: «Trata-se de um documentário que acompanha com ficção o trabalho de um actor, o David Almeida, numa altura mais complicada da sua vida. De certa forma, relata o estado actual das artes em Portugal…»

O que pode dar ao cinema português: «Alguma ruralidade e um universo paralelo…Tento dar sempre um ponto de vista menos urbano…»

Herói cinema português: João César Monteiro e Edgar Pêra.

Hugo Diogo, 31 anos

Ainda era adolescente e já fazia curtas-metragens amadoras com os amigos, no Seixal.  Depois de não entrar no Conservatório de Cinema, foi para Londres fazer um workshop de cinema. Mais tarde, fez Lua Azul, a primeira curta portuguesa de terror. Incógnito, longa-metragem, devido a incompatibilidades entre produtoras nunca estreou. Um filme co-realizado com Nuno Jardim. Por estes dias estreia nas salas de cinema aquela que é, afinal, a sua estreia, Marginais, longa-metragem em regime low cost.


O Tempo de Duas Músicas: «Uma história sobre o tempo. Sobre como o tempo pode afectar relações.»

O que pode dar ao cinema português: «Tenho histórias para contar… espero que as minhas histórias possam fazer sentir algo de diferente ao público…»

Herói cinema português: Manoel de Oliveira.


Jorge Quintela, 29 anos

Esteve em Vila do Conde na competição experimental, mas também como director de fotografia de Golias, de Rodrigo Areias. Homem do Norte, Jorge assinou recentemente o documentário sobre o músico Legendary Tiger Man, On the Road to Femina. Tem conseguido fazer filmes experimentais sob a égide de filmes de bolso. É um produto da ESAP, onde tirou Fotografia.

Austieg: «Filme de bolso que parte de um princípio de imagens captadas de forma acidental, tendo depois uma construção narrativa a posteriori. É algo de muito instintivo…»

O que pode dar ao cinema português: «Estou habituado, e preparado, a pensar e a trabalhar em estruturas de cinema sem grande orçamento…»

Herói do cinema português: António Reis.

Gonçalo Galvão Teles, 37 anos

Filho do consagrado cineasta Luís Galvão Teles, é alguém que tenta criar um cinema de actores, um cinema de qualidade para um grande público. Prova disso são três filmes para a televisão – Teorema de Pitágoras, A Noiva e Jogo da Glória, e agora é também o autor do guião O Último Voo do Flamingo, de  João Ribeiro. Em 2008, realizou uma das curtas-metragens mais amadas do cinema português recente, Antes de Amanhã.

Senhor X: «Uma homenagem ao cinema. Uma homenagem aos anónimos. Uma homenagem aos anónimos que fazem cinema.»

O que pode dar ao cinema português: «Citando uma frase de Fernando Lopes em Senhor X: “Tenho tudo... E não tenho nada.” Uma vontade enorme de contar histórias. Uma vontade ainda maior de que o público tenha vontade de ouvir as nossas histórias.»

Herói cinema nacional: Luís Galvão Teles, o anti-herói do nosso cinema.

Marco Leão, 25 anos

Licenciado na Escola Superior de Comunicação e Social em Audiovisual e Multimédia, quis depois especializar-se em pós-produção e foi tirar um curso na escola Restart, onde a partir daí decidiu trabalhar em dupla com André Santos. Além de estarem atrás da câmara em Cavalos Selvagens, são os protagonistas deste conto gay. Quer sempre fazer cinema em dupla com André, qual irmãos Coen…

Cavalos Selvagens (co-realizado por André Santos): «Reflexão silenciosa sobre o fragmento de uma relação.»

O que poder dar ao cinema português: «Continuar. Ter perseverança… Estou a começar e tem sido preciso ter muita força.»

Herói cinema nacional: André Santos, Sandro Aguilar, Marco Martins, mas o termo herói é forte…

João Viana (não quis referir a idade)


Com um currículo extenso como assistente de realização em longas de consagrados como Jean-Claude Biette, Oliveira ou João César Monteiro, nunca foi à escola de cinema. É assumidamente um autodidacta que reconhece que lhe falta o todo. Viu a sua primeira curta, A Piscina, ser seleccionada para o Festival de Veneza e, pago do seu bolso, ofereceu um filme-prenda a Manoel de Oliveira. Foi exibido unicamente em Serralves.

Alfama: «Uma viagem de comboio que vai acelerando. De repente, é um pequeno drama, mas um grande drama para quem o vive.»

O que pode dar ao cinema português: «Dar continuidade a essa coisa específica que é nossa, que é tão cinema português… a minha responsabilidade é fazer essa passagem em relação à geração anterior. Isto é uma coisa séria!»

Herói cinema nacional: Manoel de Oliveira.

Aya Koretzky, 27 anos

Filha de pai japonês e mãe belga (com avós russos e holandeses), estudou Pintura na Faculdade de Belas-Artes em Lisboa. Torceu para o cinema depois de ter descoberto a disciplina de audiovisuais com a professora Susana Sousa Dias. Depois, alguns workshops e uma instalação de vídeo chamada Sujeito.

Nocturnos (co-realizado por Rodrigo Barros): «Tem que ver com o interesse de filmar as pessoas mais marginalizadas e rejeitadas. Parte de algo pessoal, quando era criança e vim para Portugal. Foi muito duro ser aceite…»

O que pode dar ao cinema português: «Não diria que possa ser a salvadora do cinema português, mas interessa-me um cinema que tenha algo para dizer e que transmita coisas importantes para a sociedade. Interessa-me seguir uma via de intervenção social.»

Herói cinema nacional: Pedro Costa e João Pedro Rodrigues.

Miguel Clara Vasconcelos, 39 anos

Produz para uma nova geração de cineastas e faz um cinema muito próprio, entre o documental e uma ficção cheia de singularidades. Em 2005, ganhou Vila do Conde com o documentário Documento Boxe. Por acasos da vida, teve a sua adolescência precisamente em Vila do Conde.  Quando produz, produz com a sua própria companhia, a Andar Filmes. Antes de ser cineasta, passou pela economia, jornalismo, literatura, dança, teatro e artes visuais.

Universo de Mya: «É um filme de ficção científica futurista e psicanalítica, com teleportação pelo meio.»

O que pode dar ao cinema português: «Trazer à luz histórias subterrâneas da realidade.»

Herói cinema nacional: Teresa Villaverde.

Júlio Alves, 38 anos

Realizador que assume a sua independência, podendo flanquear entre o cinema documental, animação e ficção. A sua profissão de subsistência é a publicidade, onde realiza anúncios. O Despertador, Alferes e Ossudo são nomes de curtas-metragens que já fez. Interessa-lhe pesquisar diferentes géneros e formatos.

O Jogo: «A intenção era reflectir sobre o facto de decidirmos não colocarmos limites. O que acontece quando alguém que não está em igualdade de circunstâncias se comporta como uma pessoa normal?»

O que  pode dar ao cinema português: «Não desistir. É que há um património de cinema português! Um património com muito valor.»

Herói cinema português: João César Monteiro.

Rodrigo Barros (não quis referir a idade)

Se há cineastas improváveis, este é um deles. Formado em Teatro, em Évora, acabou por viajar para Macau, onde fez ateliers de teatro para crianças. Estreia-se agora em cinema com este documentário porque, em parte, trabalha num albergue para sem-abrigo.

Nocturnos: (co-realizado com Aya  Koretzky) «A história de quatro homens que vivem numa casa que é a Associação dos Albergues Nocturnos de Lisboa. Homens que partilham connosco algumas das suas rotinas e a suas maneiras de ser. É um filme político: dá visibilidade a pessoas que nunca a têm…»

O que pode dar ao cinema português: «Posso dar histórias, pistas…»

Herói cinema português: Miguel Gomes e Pedro Costa (no documentário).

Susana Nobre, 35 anos

Formada na Universidade Nova, foi uma das fundadoras do Laboratório de Criação Cinematográfica, tendo mais tarde começado a trabalhar como assistente em diversos filmes portugueses. Em 2001, estreou-se com As Nadadoras e, na área do documentário, assinou O Que Pode Um Rosto e Estados da Matéria. É uma das realizadoras que formam o colectivo Terratreme, uma nova estrutura colectiva de cinema.

Lisboa-Província: «É uma experiência que passa pela leitura de um processo de uma doente do Instituto de Oncologia Português. Esse é o núcleo do filme, que me apeteceu fazer depois da experiência de ter lá feito um documentário.»

O que pode dar ao cinema português: «Posso dar valor a um lado mais irrisório da experiência humana e aos pequenos gestos do quotidiano.»

Herói cinema nacional: Luís Miguel Correia e Manoel de Oliveira.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt