Volta e meia surge aquela falsa questão de "como ver" um clássico do terror numa altura em que já se viu de tudo, e, supostamente, com técnicas bastante mais "sofisticadas". Será que ainda é preciso chamar paramédicos ao cinema para tratar desmaios e histerias? Muito pouco provável. Mas isso não significa que O Exorcista tenha perdido impacto. As pessoas que tiveram essa reação física e psicológica à brutalidade das imagens numa sessão qualquer de 1973 ou 74 foram, afinal, as primeiras testemunhas de um modo de criar terror que trazia algo de novo - e que continua a provocar-nos uma estranha corrente elétrica no corpo..Para celebrar o meio século desta grande referência do género, em particular nestes dias em que ainda está bem presente a morte do realizador William Friedkin, o festival MOTELx começou por exibir no Warm-Up, na última sexta-feira, Leap of Faith: William Friedkin on the Exorcist, o muito recomendável ensaio cinematográfico de Alexandre O. Philippe que mergulha nas memórias e especificidades dessa produção. Mas é na sessão do próximo sábado (16.20, Cinema São Jorge) que se faz a festa propriamente dita, com uma cópia digital restaurada em 4K de O Exorcista. Para quem não puder ir no sábado, e estiver por Lisboa no fim de semana, tem outra oportunidade no dia seguinte (17.30), nno Cinema Medeia Nimas..Não há, de facto, melhor celebração do que regressar às entranhas desta obra tão citada, que surpreendeu tudo e todos pelo lugar que conquistou no panorama do cinema de género, não só pelo gigantesco sucesso de bilheteira, como pelas 10 nomeações para os Óscares (venceu Argumento adaptado e Som), incluindo Melhor Filme - foi a primeira obra de terror a alcançar uma nomeação nessa categoria..Um filme baseado no romance homónimo de William Peter Blatty, sobre um caso real de exorcismo, que ganhou a eternidade nas interpretações da pequena Linda Blair, a pré-adolescente possuída por um demónio, Ellen Burstyn, a mãe da vítima, que é uma atriz famosa, Jason Miller, o padre psiquiatra, e Max von Sydow, o ator sueco da trupe de Bergman, então recém-chegado a Hollywood, que encarna o velho padre exorcista herói da história..Em entrevistas, Friedkin repetiu sempre que fez um filme sobre o mistério da fé, e que o filmou dentro da abordagem documental possível (o documentário foi, aliás, a sua base formativa como realizador). E tudo isso bate certo com o que se vê. Apesar dos extraordinários efeitos especiais, O Exorcista não é um filme dependente de técnicas de susto ou insuflado por uma atmosfera manipuladora dos nervos do espectador. É um filme que observa o Mal enfrentando-o sem rodeios, mostrando com linguagem realista aquilo que se entende por sobrenatural - a sua maior revolução no âmbito do cinema de terror está nesse gesto puro, que contorna o esquema de produção de um grande estúdio (Warner Bros.). Friedkin teve a audácia de inscrever o medo numa espetacularidade suja e tenebrosa que invade a harmonia da classe média americana..Em outubro acrescenta-se um novo capítulo (mais um) a esta história: O Exorcista: Crente, assinado por David Gordon Green..dnot@dn.pt