Pode-se aventar que a paixão pelas letras lhe veio do berço, pelo pai tipógrafo "ligado ao PS" que trazia para casa livros proibidos e que esteve preso em Peniche, mas assegura que a mãe, uma "dona de casa e também modista", era uma grande leitora. Tanto que aos cinco, seis anos a nova presidente do Instituto Camões tinha como diversão favorita "fazer pequenos livros e dar aulas às bonecas". Letras e ensino: uma vocação precoce, adensada pela professora de português nos primeiros anos do liceu Filipa de Lencastre. "Chamava-se Aliete Galhoz e já nessa altura estava a trabalhar a célebre arca de Pessoa. Estimulava-nos muito para autores que não eram conhecidos ou gratos, como José Régio. Ofereceu-me, aos 14 anos, As Encruzilhadas dos Diabo. E era também professora de Francês, deu-me a ler Sartre..." Seguiu-se, nos dois últimos anos do liceu, outra professora marcante, Letícia Clemente. "Líamos Eça, que na altura era quase proibido, e também os neo-realistas." Entrou assim naquele que é o seu mundo - "e essa maneira de dizer o mundo" -- mesmo se, admite, só na faculdade, no curso de Filologia Românica, percebeu que "na literatura estão presentes todas as dimensões". .Nascida em 1957 na capital, Ana Paula Laborinho apanhou no fim do liceu o pós 25 de Abril, com a obrigatoriedade do serviço cívico antes da entrada para a faculdade. A experiência, ocorrida em Trás-os-Montes, deixou-lhe uma impressão duradoura - e, diz, enriquecedora. Como a de trabalhar durante o curso: "Não venho de uma família rica, e tive de dar explicações e aulas - no liceu - desde cedo". O seguimento natural, o de ser monitora na faculdade, cargo para que foi convidada no 4º ano (então os cursos tinham cinco), foi interrompido com o nascimento da filha, em 1979. "Tive de me afastar do meu lado mais intelectual e dedicar-me às fraldas", comenta, com um sorriso na voz. Também por esse motivo o mestrado, que na altura funcionava por convite, e que fez como aluna de Mário Dionísio e Maria Alzira Seixo, levou-lhe mais tempo a terminar que os três anos da praxe. .Uma longa passagem por Macau (de 1988 a 1992 e de 1995 a 2002), para onde foi pela primeira vez para acompanhando o então marido e, como professora da Faculdade de Letras, para coordenar os leitorados na Ásia e criar o departamento de português da Universidade da Ásia Oriental, desviou-lhe o assunto da tese de doutoramento. "Comecei a trabalhar a poesia medieval mas lá interessei-me pelo Fernão Mendes Pinto". Seria só no regresso do território, onde ficou, como presidente do Instituto Português do Oriente, para além da saída da administração portuguesa, que se entregaria à tese. Mas dos 11 anos passados em Macau trouxe bem mais que um novo tema de tese: muitos amigos chineses, muitas histórias e observações (particularmente interessantes no pós-saída dos portugueses, com o advento de Tiananmen e a repressão que se seguiu) e, sobretudo, uma atitude e uma sensibilidade diferentes. "Acho que fiquei com algo. Há uma impetuosidade que tinha e deixei de ter. Sou muito mais serena, com muito mais capacidade de espera... Se calhar também é da idade, mas eu era muito mais planificada e hoje percebo que há um fluxo que não controlamos. É a aceitação do incontrolável que me traz uma grande paz interior. Quando vou lá sinto que aquele é o meu lugar"..Mas não é em Macau que está. Nem sequer na universidade, a cumprir os gestos que prenunciou em menina, com as suas brincadeiras. "Estava no ripanço da universidade, que é um lugar mais calmo, e fui apanhada de surpresa. Mas depois de ponderar um pouco decidi aceitar." A comissão de serviço é de três anos. Abandonar as aulas durante tanto tempo? "Não queria deixar completamente, até porque tenho de terminar este ano e as universidades têm dificuldade em nos substituir. E queria manter a ligação com os seminários sobre políticas culturais e linguísticas e o projectos de investigação sobre o orientalismo português que estava a coordenar." Quanto a uma ideia para o Instituto que dirige, está, parece, legislada: "O IC dispõe de uma nova lei orgânica desde 1 de Janeiro, com uma alteração da estratégia que passa por uma estratégia de internacionalização da língua e o oferecer do português no sistema de ensino de vários países desde o ensino básico. É um desafio muito grande."