O deputado que chocou o Brasil com homenagem a torturador

Menção do deputado de extrema-direita ao torturador Carlos Ustra mexeu com os brasileiros e já motivou 20 mil queixas
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"Pela família, contra o comunismo, pela nossa liberdade e pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff, o meu voto é sim." As palavras do deputado Jair Bolsonaro, candidato à presidência da República pelo PSC, no dia da votação do impeachment na Câmara dos Deputados, ainda ecoam no Brasil, apesar do ruído que a mais do que provável troca de presidentes, de Dilma por Michel Temer, vai provocando e de todos os discursos, uns mais trágicos, outros mais cómicos, dos deputados.

A hashtag do Twitter #forabolsonaro foi um dos tópicos mais partilhados no mundo, ao longo da semana. Há uma pressão para condenar Bolsonaro no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados por "falta de decoro". Ao procurador-geral da República já chegaram perto de 20 mil queixas.

O nome do coronel Brilhante Ustra, a que Jair Bolsonaro se referiu, é sinónimo de tortura no país. Quando morreu em outubro do ano passado, aos 83 anos, o líder do DOI-Codi, maior órgão de repressão durante a ditadura militar (1964-1985), ainda era ativo em tertúlias do Exército. Apesar de, segundo o projeto Brasil: Nunca Mais, ter cometido 502 atos de tortura, foi condenado apenas a indemnizar a família de uma das suas vítimas.

"Lamento que este momento do país tenha dado abertura para esse tipo de intolerância e de ódio, é terrível, é lamentável você ver alguém votando em homenagem ao maior torturador que este país conheceu", disse Dilma Rousseff 48 horas após as palavras de Bolsonaro.

"Em nossa casa também gelámos" diz ao DN Rodrigo Moretti, filho de Áurea Moretti, companheira de Dilma na cela 6 da Prisão Tiradentes no verão de 1970. "A minha mãe está doente, ficou indignada, triste, e eu estou em sofrimento desde que ouvi aquilo. Apesar de só ter nascido em 1979, tudo o que a minha mãe passou faz parte de quem sou, por isso, depois daquela animalidade chorei, não sei como outros filhos de presos estão a lidar com isso mas para mim está a ser difícil." "Vejo o corpo e a alma da minha mãe cheio de marcas e ainda tenho de ouvir isso, parece que nem a nós, os filhos, deixam fugir dos porões da ditadura", concluiu Moretti, professor universitário.

Em entrevista ao DN em janeiro do ano passado, Áurea Moretti contou que Dilma Rousseff foi das pessoas que mais sofreram na Prisão Tiradentes. "O mais dramático era vê-la ser levada para as salas de tortura e não termos a certeza se ela voltava", conta. "Num dos espancamentos, a arcada dentária dela deslocou-se, o que lhe provoca problemas até hoje, mas pior do que os espancamentos, do que o pau de arara [barra de ferro onde os punhos e as dobras dos joelhos das detidas eram amarrados] e do que a cadeira do dragão [cadeira elétrica com fios ligados à língua e aos órgãos genitais], era sermos torturadas em cima do sangue de companheiras já mortas."

Em agosto de 2015, Bolsonaro, deputado mais votado do estado do Rio de Janeiro em 2014 com quase 500 mil votos, disse em entrevista ao DN que "a esquerda fala em tortura para buscar votos, poder e compaixão, não havia tortura, havia tratamento enérgico". "O PT inventa historinhas, Dilma é que quis uma ditadura do proletariado, sequestrou, roubou, não houve ditadura militar, houve período militar, porque quando há dois partidos e um Congresso funcionando não é ditadura."

Noutro plano considerou-se a homenagem a Ustra "um ato de guerra de Bolsonaro". A ameaça de golpe militar tem sido mencionada no Brasil mas no Dia do Exército, no dia 19, ninguém referiu o assunto. O chefe da força, Eduardo Villas Boas, disse que "na condição de instituição de Estado, no meio da crise, o Exército norteia-se pela preservação da estabilidade e da paz social". Nem Dilma nem Temer foram à cerimónia mas a presidente enviou mensagem a dizer que "as brasileiras e os brasileiros sabem que podem contar com o Exército".

Em São Paulo

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