O cinema poético de Wim Wenders

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Diz o célebre ditado que "uma imagem vale mais do que mil palavras" e o cinema é o território ideal para construir uma teia ficcional de sentidos e experimentar modelos narrativos que nem sempre se esgotam nas fórmulas lineares de um género. O realizador alemão Wim Wenders gosta de baralhar as coordenadas e arriscar no valor afectivo das imagens, usando-as como objecto de reflexão de outras problemáticas, como a família (caso de Paris, Texas), a música (como no documentário Buena Vista Social Club) ou o próprio cinema (visível em O Estado das Coisas).

O Lusomundo Gallery termina o mês de Agosto com uma revisão sucinta de uma carreira iniciada na televisão alemã que, em pouco tempo, conseguiu afirmar-se como um dos casos mais estimulantes do novo cinema europeu (com breves passagens, uma mais felizes do que outras, pelos Estados Unidos). A ousadia cinéfila e a marca de autor geraram um culto em torno de Wim Wenders, um produtor de filmes mais próximo da crítica do que das massas - Wenders recebeu diversos prémios em Cannes, Berlim e foi nomeado para um Óscar por Buena Vista Social Club.

De hoje até quarta-feira, o horário nobre do canal codificado de cinema é preenchido com os três filmes mais importantes e carismáticos do realizador que sempre recusou o sexo e a violência, ao mesmo tempo que procurou a independência artística e o total controlo dos seus filmes a saber, O Amigo Americano (hoje), Paris, Texas (amanhã) e As Asas do Desejo (quarta-feira).

ANJOS E DEMÓNIOS. Sempre às 21.00, o Especial Wim Wenders inicia-se com a obra responsável pelo reconhecimento internacional deste realizador, que culminou, em 1977, com uma nomeação para o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro. O Amigo Americano, uma produção partilhada pelos Estados Unidos, França e Alemanha, conta a história de Jonathan Zimmerman (Bruno Ganz), um restaurador de quadros alemão que se vê envolvido numa espiral de criminalidade - é incitado a cometer um crime -, depois de conhecer o americano Tom Ripley (Dennis Hopper). O Amigo Americano é uma poderosa adaptação de uma das novelas da escritora Patricia Highsmith em que o protagonista é o tumultuoso Mr. Ripley, personagem que Matt Damon voltou a vestir em O Talentoso Mr. Ripley (1999).

Segue-se o tocante Paris, Texas, drama familiar de 1984 que se centra na deambulação de um amnésico (Harry Dean Stanton) em busca das memórias de um amor antigo por uma bela mulher, a inesquecível Nastassja Kinski. O filme venceu a Palma d'Ouro do Festival de Cannes e é talvez o mais intenso exercício afectivo de Wenders, que culmina com uma longa cena passada numa cabina de uma loja de sexo, com os dois protagonistas separados por um vidro e a entenderem as repercussões do seu amor. Paris, Texas é um exercício de melancolia inesquecível que questiona os limites da identidade.

O ciclo termina no pico da intensidade dramática, graças a As Asas do Desejo, mais um modelo de reflexão comportamental, sobre a vontade de um anjo (Bruno Ganz) de sentir as emoções humanas. Ao olhar de cima para as "entranhas" da Alemanha do final da década de 80, apaixona-se por uma trapezista de circo (Solveig Dmmartin). O filme foi novo prémio em Cannes e acabou adaptado por Hollywood em A Cidade dos Anjos.

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