O Acordo Israel-EAU e a Guerra Fria no Médio Oriente

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Os Emirados Árabes Unidos (EAU) passam a ser o 3º Estado árabe a regularizar as suas relações diplomáticas com Israel. Os outros 2 foram o Egipto e a Jordânia.

O estabelecimento da Paz entre Egipto e Israel, teve um principal interesse para o Ocidente e americanos em particular, em ancorar o mais possível o Egipto de Anwar Sadat do "nosso lado", no contexto do paradigma da Guerra Fria, quebrando as ardilosas derivas soviéticas do antecessor Abdel Gamal Nasser, pan-arabista, cujo discurso e postura encaixavam na perfeição no ideário comunista da Libertação dos Povos. O objectivo do carismático Presidente egípcio, era terminar a construção da faraónica Barragem de Assuão em vida, sendo que para isso necessitou de um "Nilo de dinheiro e tecnologia". O ardil, foi namorar americanos e russos para tal, sendo que sempre se aproximou daquele que mais viabilizou a obra, a qual foi inaugurada 2 meses antes da sua morte.

Das 4 guerras que o Egipto travou contra Israel, há uma narrativa regional que diz que Israel se fingiu de distraída e, por isso mesmo foi surpreendida naquele 6 de Outubro de Yom Kippur de 1973, dando a dianteira à Coligação Árabe, para que esta pudesse ter posição de força para reaver os territórios perdidos na Guerra dos 6 Dias, em 1967. A bem do equilíbrio regional, Israel devolveria, como o fez, o Sinai aos egípcios e os Montes Golan aos sírios, tendo também marcado o seu ponto principal, desde 1948, de que veio para ficar!

O passo seguinte seria a natural normalização de relações com o antigo inimigo, ancorando Anwar Sadat, decisor supremo do Egipto ao Bloco Ocidental. Assim foi, tendo tal assinatura custado a vida ao Presidente egípcio, assassinado pela "Jihad Islâmica do Egipto", uma das sementes da Al-Qaeda de Bin Laden e al-Zawahiri.

A Jordânia e Israel assinam a paz em 1994, já os soviéticos não o eram, pelo que este acordo teve como principal objectivo, aproveitando um "novo Mundo optimista" e pós-Guerra Fria, regular de forma moderna uma herança do Mandato Britânico (1920) chamada Transjordânia guardiã da Cisjordânia e dos palestinianos. Noutro tabuleiro paralelo, Bill Clinton, em início de 1º Mandato, achou que em 8 anos teria tempo para ficar na História como o Estadista que finalmente tinha conseguido pacificar o "umbigo do Mundo" e iniciar um "dominó democratizante" para todo o Médio Oriente. A este propósito, recordar que o momento era de "Fim da História" com a vitória da Democracia face ao Comunismo, inserindo-se, por exemplo, a intervenção militar americana na Somália (1993-UNOSOM II), essa mesma do ´filme do helicóptero que todos vimos, no âmbito da chamada "guerra humanitária". Já fomos mais felizes, portanto!

Este mais recente estabelecimento de relações diplomáticas entre Israel e os EAU, inserem-se no âmbito de um paradigma de Guerra Fria que se foi criando no Médio Oriente no pós-11 de Setembro. O "eixo do mal", traçado por Bush Junior incluía o "quase nuclear Irão" e era necessário isolá-lo a todo o custo. Como? Armando "até aos dentes" todos aqueles na região que alinhassem numa coligação oficiosa anti-xiita, com a sunita Arábia Saudita à cabeça, ests também com ambições nucleares, mas sem qualquer hipótese de o conseguir devido à "trela americana", pelo que passou a imperar uma lógica anti-natura. Prática, para quem vê as coisas acontecerem a partir de Lisboa e de Washington, mas anti-natura e altamente volátil na sua essência. Ou será que alguém no passado mais recente e mais longínquo imaginou alguma vez ver Israel como protetor da Casa de Saud e de um regime wahabita? A otomana Turquia, fruto destes alinhamentos, também teve que se aproximar do persa Irão, inimigos de séculos com histórias de impérios plenas de "aljubarrotas".

Os EAU, sentados num "deserto de crude", desde o início das "Primaveras Árabes" que passaram a actores "mais-que-secundários" no esboçar da Nova Ordem do norte de África e Médio Oriente. Tem sido assim nas interferências que tem tido na Política interna na Tunísia, no apoio ao Marechal Sissi na guerra da Líbia e ao alinhamento que tem com sauditas na guerra do Iémen e, também, da tensão "nariz com nariz" que mantém com Qatar e Turquia. Farão certamente uma boa parelha com Israel, confirmando uma vez mais o elo mais fraco, os palestinianos, instrumento útil para tudo e todos durante a Guerra Fria dos livros de História, mas soberbamente descartáveis neste novo paradigma regional. Já não contam e por isso já não aparecem que, onde não há imagem não há notícia!

Uma nota final para uma novidade de sexta-feira 14, em tudo ligada ao aqui desenvolvido, já que o Conselho de Segurança da ONU chumbou a proposta americana para o prolongamento do embargo de venda de armas ao Irão. Apenas a República Dominicana votou ao lado da América de Trump, pelo que esta humilhação no palco mais diplomático de todos, representa uma rejeição colectiva ao actual Presidente e suas políticas, reabilitando assim o Acordo Nuclear conseguido pelo Ex-Presidente Obama e rasgado pelo Presidente Trump. O Irão, para sair da franja e deixar de ser considerado um "estado-vilão", tem de ser integrado, para ter algo a perder caso se arme em "índio em terra de cowboys"!

Politólogo/Arabista

O Autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

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