Nova diretora-geral "vai ter de reposicionar instituição como autoridade de Saúde"

Tem 36 anos e toma posse hoje como diretora-geral da Saúde. A nomeação de Rita Sá Machado foi anunciada, há uma semana, pela tutela e gerou logo polémica, pela sua juventude e por haver outros candidatos mais experientes. Mas quem a conhece diz que "é uma mulher competente" com "uma visão positiva da Saúde Pública" e com um "currículo altamente diferenciado". Pela frente tem vários desafios, e talvez o maior seja o de reposicionar a DGS como autoridade de saúde.
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É médica e mestre em Saúde Pública pela London School of Hygiene and Tropical Medicine, tem uma pós-graduação em Gestão na Saúde pela Católica Porto Business School, outra em Educação Médica pela Harvard Medical School, mas também formação específica em Viagem e Populações Móveis, pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Mas o currículo de Rita Sá Machado, a nova diretora-geral da Saúde, que hoje tomará posse para um mandato de cinco anos, não fica por aqui.

Aos 36 anos, a médica iniciou funções no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia-Espinho, onde teve de combater, juntamente com a sua coordenadora, um dos maiores surtos de sarampo na região Norte. Depois, e já como especialista em Saúde Pública exerceu funções na Direção-Geral da Saúde (DGS), na Administração Regional de Saúde do Norte e na Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo no Agrupamento de Centros de Saúde Almada-Seixal.

Mas, há dois anos, em setembro de 2021, vê, segundo dizem alguns colegas, um dos seus sonhos concretizado, ao conseguir ir para Genebra para trabalhar na Organização Mundial da Saúde (OMS), como conselheira na área da Saúde e Migrações, área em que já tinha exercido funções como conselheira de Migração e Assuntos Humanitários no Ministério dos Negócios Estrangeiros, em Portugal.

Quem a conhece diz ser "tímida" "perspicaz" e "muito competente". O presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública (ANMSP), que a conhece há muitos anos, destaca que aos olhos de muitos pode ser "uma técnica especialista em Saúde Pública muito jovem, mas tem um currículo altamente diferenciado e extremamente valorizável".

Para Gustavo Tato Borges "é uma mulher competente, com uma visão positiva da Saúde Pública, integradora das diferentes áreas, que não está agarrada a preconceitos ou a hábitos antigos".

Nas suas palavras, Rita Sá Machado é uma profissional "perfeccionista", que "gosta de fazer as coisas como devem ser feitas e uma líder que toma a iniciativa e que puxa pela equipa". E acrescenta: "Não conheço pessoas que digam que ela não trabalha em equipa", considerando, mais uma vez, que o fator idade "é um pormenor" - embora este tenha sido o "pormenor" que suscitou reações logo após a sua nomeação, por "não ter a experiência necessária".

Para o presidente da ANMSP, o facto de se ter candidatado e ter aceitado o cargo "mostra que é uma médica virada para o futuro, que quer dar o melhor de si e que quer inovar". Pode parecer que esta candidatura surge pela sua ambição, mas o médico que a conhece diz que "foi mais por opção, alguém que quer trabalhar em prol da Saúde Pública. É exigente, mas também exige à sua equipa a mesma qualidade e tem todo o perfil para ser uma ótima diretora-geral".

Destaquedestaque"A tutela vai ter de ter um papel nisto. Vai ter de dar à Dr.ª Rita mecanismos para que possa modernizar o funcionamento interno da DGS, não só em relação às questões burocracias, mas também em relação à forma de trabalhar, que tem de ser mais modernizada e mais ágil".

Agora, salvaguarda Gustavo Tato Borges, "é preciso que a tutela lhe dê competências e espaço para poder exercer todas as suas funções", já que "terá muito trabalho pela frente para lidar com todos os desafios que aí vêm".

O presidente da associação dos Médicos de Saúde Pública, bem com dois ex-diretores-gerais da Saúde, Francisco George e Constantino Sakellarides, consideram mesmo que um dos desafios prioritários terá de ser o de reposicionar a Direção-Geral da Saúde como autoridade nacional de saúde, tendo para isso que conseguir captar mais recursos humanos e, ao mesmo tempo, as competências que foram retiradas à instituição nos últimos anos.

Gustavo Tato Borges assegura que a colega Rita Sá Machado tem pela frente "um cargo difícil numa altura exigente", competindo-lhe captar recursos humanos, o que "não será fácil, porque hoje em dia, do ponto de vista financeiro, não é atrativo trabalhar na DGS, um médico de saúde pública perde pelo menos cerca de 800 euros brutos todos os meses, sendo que quem não é de Lisboa ainda tem de arranjar habitação, tornando a questão ainda menos atrativa. Portanto, ou as pessoas têm onde ficar ou, então, ficam só mesmo por amor à camisola, mas é cada vez mais é difícil este ser o único motivo para trabalhar na DGS".

No entanto, defende que esta necessidade de "captar recursos humanos em número suficiente e com qualidade é um dos seus maiores desafios. Não só a captação dos técnicos, como depois a sua manutenção na DGS". E porquê? Precisamente porque o organismo que está definido como autoridade nacional de Saúde tem sido esvaziado de competências, que têm passado para outros organismos.

Para o médico a nova diretora-geral vai ter de ter "uma voz e um papel forte" nesta questão, sabendo-se, de antemão, que sozinha não conseguirá resultados. "A tutela vai ter de ter um papel nisto. Vai ter de dar à Dr.ª Rita mecanismos para que possa modernizar o funcionamento interno da DGS, não só em relação às questões burocracias, mas também em relação à metodologia, à forma de trabalhar, que tem de ser mais modernizada e mais ágil", argumenta.

O desafio vai ter de ser mostrar à tutela que "dentro da DGS há capacidade para fazer o trabalho que lhe compete de forma eficaz", por outro lado terá de fazer o mesmo em relação à população.

"Vai ter de unir a população em torno da DGS. Tivemos muitos anos em que ninguém ligava à DGS, mas, agora, depois da pandemia há quem olhe para a instituição de forma um pouco insatisfeita", afirma Gustavo Tato Borges, considerando, por isso, que outro desafio será o de conseguir trazer " a DGS para o dia-a-dia das pessoas, para estas perceberem a mais valia que esta estrutura tem, sobretudo por funcionar de forma independente, o que é cada vez mais importante".

Em relação ao esvaziamento de competências, este dirigente da Saúde Pública realça o facto de ter sido retirado à DGS "a representação em eventos europeus, internacionais e mundiais, que passaram para a secretaria-geral do Ministério da Saúde. A secretaria-geral é, supostamente, o órgão técnico da área da saúde que apoia o Governo na elaboração das medidas políticas, mas a DGS é o órgão técnico independente para o Serviço Nacional de Saúde e para os setores privado e social no sentido em que cria as regras e as boas práticas para a atuação na área da saúde. Ora, enquanto organismo deveria ser a DGS a representar tecnicamente o país".

Gustavo Tato Borges considera que o trabalho feito pela DGS é uma mais-valia, desde a monitorização das doenças epidemiológicas e transmissíveis à definição do Plano Nacional de Saúde. "À DGS compete muitas coisas que interferem no dia-a-dia das populações, sem que se apercebam".

O ex-diretor-geral da Saúde, Francisco George, que foi substituído por Graça Freitas e cujo mandato foi marcado pela pandemia, concorda também que "um dos desafios prioritários será assegurar a reposição dos recursos humanos necessários ao desenvolvimento das atividades em Saúde Pública pela DGS".

Francisco George, que foi diretor-geral durante 12 anos, de 16 agosto de 2005 a 21 de outubro de 2017, tendo saído quando atingiu os 70 anos, defende mesmo que a nova diretora-geral "terá de reforçar a capacidade de intervenção e as competências da DGS em todas as suas dimensões tradicionais, nomeadamente no que diz respeito à promoção da saúde, à prevenção das doenças, à identificação e controlo de eventuais emergências de saúde pública, como epidemias ou pandemias, e outros problemas que exijam uma intervenção adequada", sustentando igualmente que tal é necessário "porque, nos últimos anos, a DGS não só perdeu especialistas como viu áreas da sua competência serem invadidas por outras instituições".

Destaquedestaque"Rita Sá Machado vai ter muito trabalho pela frente e com múltiplas responsabilidades, mas apesar da sua juventude é-lhe reconhecida capacidade e qualidade como médica especialista e pela sua formação."

Por isso, afirma: "Rita Sá Machado vai ter muito trabalho pela frente e com múltiplas responsabilidades, mas apesar da sua juventude é-lhe reconhecida capacidade e qualidade na sua formação e como médica especialista em Saúde Pública". Até porque, argumenta, "a confiança que os portugueses têm na DGS é um património ímpar, que não se pode perder".

Francisco George relembra que "a DGS é um pilar central de todo o sistema de saúde", sublinhando que não é politicamente aceitável nem é isso que os portugueses pretendem, que esteja a perder competências. Os portugueses têm confiança na sua Direção-Geral da Saúde, que no conjunto de todas as instituições, é das que os portugueses mais reconhecem e respeitam".

Constantino Sakellarides, agora professor jubilado em Saúde Pública pela Universidade Nova de Lisboa, foi também um diretor-geral da Saúde que saiu dos quadros da Organização Mundial da Saúde Europa, para vir participar na reforma do Serviço Nacional de Saúde, na década dos anos de 1990, depois de ter sido convidado pela então ministra da Saúde, Maria de Belém Roseira. Começou por assumir a presidência da ARS de Lisboa e Vale do Tejo, em 1996, e depois a DGS, entre 1997 e 1999.

Para Sakellarides, a nova diretora-geral tem pela frente três grandes desafios. O primeiro tem a ver, precisamente, com a relação entre DGS e o poder político. "A nova diretora-geral vai ter de trabalhar muito próxima do poder político", refere, e por uma razão muito simples, "porque, em parte, depende da sua confiança e, em parte, porque é o consultor de Saúde Pública do Governo". Portanto, Rita Sá Machado "tem como responsabilidade fazer chegar ao Governo novas ideias e o progresso alcançado no conhecimento na Saúde Pública no sentido de estes influenciarem as políticas do Governo".

O professor jubilado reconhece que "é uma função sempre delicada e exigente, mas que não pode ser encarada como uma questão menor, mas como uma questão maior, porque dentro desta relação existe um elemento que hoje é muito importante, que é o de ajudar o Governo a considerar a Saúde e o bem-estar das populações em todas as outras políticas".

E explica: "Já se chegou à conclusão que não basta o Ministério da Saúde promover a saúde das pessoas. É preciso que a Saúde esteja nas políticas de Economia, da Educação e nos Serviços Sociais para que se definam e atinjam metas de bem-estar e da saúde no conjunto de todas as políticas".

Aliás, este é o propósito do Plano Nacional de Saúde que, lembra, "foi aprovado pelo Governo com a indicação de que tem elementos fundamentais que devem ser perseguidos por todos os ministérios".

Destaquedestaque"Um diretor-geral está exposto periodicamente a decisões, projetos e circunstâncias que muito interessam à opinião pública. Por isso, a criação de um clima de confiança com a população é fundamental".

Portanto, o primeiro desafio é esta relação entre instituição e poder político, que envolve a DGS no seu papel fundamental de "fazer com que os objetivos de bem estar da saúde estejam representados nos objetivos de todas as politicas do Governo".

O segundo desafio passa pela relação entre DGS e o SNS, que, destaca o professor, "agora tem novos contornos, na medida em que o SNS tem um estatuto público próprio, sendo por isso necessário saber como se constroem relações saudáveis e úteis para a saúde".

Ou seja, "a DGS tem a função fundamental de proteger e de promover a saúde dos portugueses e o SNS deve ser o instrumento desse objetivo. E aqui há duas questões importantes", sublinha.

Por um lado, e no que respeita ao SNS, "parece-me urgente que os serviços locais de saúde pública, representados fundamentalmente pelos ACeS (Agrupamentos de Centros de Saúde), que têm sido o parente pobre da reforma dos cuidados de saúde primários, possam atrair pessoas jovens, equipamento, inovação e comunicação, devendo contar aqui com o apoio da DGS que tem funções nas matérias de saúde pública", por outro lado, e "associada à necessidade de contribuir para o desenvolvimento da Saúde pública local, está a questão de não deixar morrer o conceito de centro de saúde, que tem sido enfraquecido nas últimas décadas e reformas, já que a sua existência e importância têm sido colocadas em questão".

Portanto, "eu diria que defender a ideia de centro de saúde, bem representada no sentido técnico, com o apoio da DGS, como gravidade do SNS, é uma das necessidades dos nossos dias".

Por fim, o terceiro desafio "tem a ver com a confiança da opinião pública". Para Constantino Sakellarides "um diretor-geral está exposto periodicamente a decisões, projetos e circunstâncias que muito interessam à opinião pública. Por isso, a criação de um clima de confiança com a população é fundamental. E esta relação tem de ser construída, não pode ser deixada ao acaso. Tem de ser construída com trabalho, empatia e compreensão pelo trabalho dos outros e pela passagem da mensagem com transparência. A agenda da DGS é a promoção e proteção da saúde e a construção desta relação de confiança junto da opinião pública é fundamental para a passagem da mensagem e para a sociedade dos dias de hoje".

A junção destes três desafios são para o ex-diretor-geral uma tarefa difícil, mas, sustenta, "muitas vezes, mais importante do que a experiência ou do que o currículo é a capacidade que temos em nos superarmos, e quando assumimos um cargo novo temos de acrescentar capacidades e competências. E os jovens conseguem fazê-lo bem quando tem conhecimento".

A partir de amanhã, Rita Sá Machado estará à frente da DGS, mas a equipa não está fechada. O Governo lançou agora um novo concurso para os cargos de sub-diretores-gerais. Até agora, este cargo era assumido por André Peralta Santos, que substituiu interinamente Graça Freitas, desde a sua reforma até à nomeação da nova diretora-geral.

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