"Mais umas semanas. Falta pôr ali umas pedras, dar mais uns retoques e a obra está pronta. Isto estava mauzinho, mas fica impecável, não fica?", diz-nos convicto um dos trabalhadores que nos últimos tempos se tem dedicado à requalificação da fachada do Palácio Botelho Moniz, em Setúbal. É o mesmo edifício onde as Missionárias da Caridade (da congregação da Madre Teresa de Calcutá), como anuncia o letreiro afixado no portão, estão instaladas há mais de 30 anos, acolhendo crianças carenciadas. Mas ao longo de décadas o imóvel acumulou degradação e foi abrindo fendas, chegando a ameaçar ruir para a via pública. O imponente edifício secular na Baixa sadina, também conhecido como Outeiro da Saúde, pertence à paróquia da Anunciada desde os anos 1970, depois de ser erguido em final do século XIX pela família Botelho Moniz. Por ali chegou ainda a funcionar a casa paroquial, mas o palácio acabou por ser destinado a acolher as "irmãs de Calcutá", como são conhecidas por estas paragens, quando a congregação chegou à cidade, em 1982. Porém, é a Câmara de Setúbal que está a suportar a sua requalificação, orçada em cerca de 70 mil euros. Explicação? "É um edifício monumental e nós andávamos com muita mágoa de não poder ser recuperado por pertencer a privados", sublinha a autarca Maria das Dores Meira, tendo decidido que seria o município a assumir a recuperação do alçado principal que se estende ao longo de mais de 50 metros. "Situa-se numa das principais entradas da cidade" (para quem chega de Lisboa pela EN10), reforça a edil, assumindo que além do "bem-estar" das missionárias e das crianças que elas apoiam também está em causa a atratividade turística da cidade. "Está classificado pela Direção--Geral do Património Cultural (DGPC), mas estava muito degradado, com grandes fendas nos muros, e dava-nos pena, porque um dia podia cair", explica Dores Meira, que depois da concordância da paróquia e das missionárias também garantiu a luz verde da DGPC para deitar mãos à obra. Além da requalificação, a autarquia está a fazer o reforço da estrutura para eliminar o perigo de derrocada. "Esta requalificação inscreve-se na reabilitação da cidade. Não há atração turística sem reabilitação e este edifício faz parte das nossas memórias e cultura", diz a autarca, elogiando a comunidade que habita o imóvel "e o trabalho de caridade tão bom que faz, com tantas crianças ali dentro". Numa altura em que a pintura já é visível, tendo sido retirada a maioria dos andaimes, o padre Miguel Alves diz que só pode agradecer a obra feita pela câmara. "De facto, o edifício precisava de ser recuperado, mas a paróquia não tinha dinheiro. A autarquia propôs-se assumir a requalificação, o que foi ótimo para nós", admite o pároco, revelando que a única intervenção feita no imóvel já remonta há nove anos, após um terramoto em 2006 que abalou parte do alçado lateral. "Foi a igreja que pagou, mas seria escandalosamente caro", diz, admitindo que os cofres da paróquia nunca mais recuperaram desse rombo, impossibilitando qualquer tentativa de enfrentar o avanço da degradação da fachada. A intervenção não passa despercebida a quem habitualmente por ali circula. "As únicas coisas que ainda não foram melhoradas são o portão e o gradeamento, mas parece ser o menos importante", avaliava ontem Simone Caeiro, uma moradora do outro lado da Avenida dos Combatentes, que durante anos assistiu à abertura de fissuras no edifício. "Era um perigo, mas agora até dá gosto de ver", congratulava-se, enquanto o vizinho João Ferreira assumia sentir "vergonha" cada vez que alguns turistas o questionavam sobre o estado do edifício. "Não imagina a quantidade de pessoas que param para ver e fotografar isto, quando vão para os restaurantes da Fonte Nova, por causa das sete janelas. Não era um bom cartão-de-visita, mas agora já pode ser, porque é um imóvel fabuloso.". Romântica e revivalista No Sistema de Informação para o Património Arquitetónico, o edifício é definido como sendo dotado de uma "arquitetura recreativa, romântica e revivalista", exibindo como maior atração uma gruta artificial - batizada pelo primeiro proprietário com o nome de Gruta de Santo António - aberta em forma de galeria. Alias, a construção do palácio que à época era único em Setúbal, pela estrutura e pela decoração em ferro, é de finais do século XIX, mas seria a 15 de junho de 1909 que a gruta era inaugurada com grande pompa, traduzida numa "série de vãos irregulares mais ou menos retangulares do tipo janela", diz o mesmo documento, acrescentando que são rasgos ornamentados com imitações calcárias que os "molduram". Miguel Alves admite que estas sete ornamentações em forma de janelas - que lhe sugerem ter sido feitas com barro suportadas por estruturas de arame no interior - "saltam à vista na fachada, porque são algo diferente, mas, na verdade, não são nada de extraordinário", diz o padre, revelando que o interior do edifício tem sido mantido pelas próprias missionárias e que estará em boas condições. Entre os destaques apontados na descrição do edifício estão os jardins situados sobre a gruta, traduzidos em autênticos miradouros privilegiados sobre a cidade.