Em 1981 o mundo ficou de boca aberta com O Choque de Titãs, de Desmond Davis, uma história de deuses e monstros com efeitos visuais inovadores na época, mas… de plasticina e com recursos artesanais. Agora, quase trinta anos depois, a Warner pega no mesmo conceito e apresenta uma nova versão. Em Portugal chama-se Confronto de Titãs e chega em formato 3-D, depois de ter sido filmado originalmente para esse efeito. Graças ao efeito Avatar tudo é possível, e quando visitámos o set do filme na Primavera passada ninguém tinha isso em mente. Não é por acaso que o próprio James Cameron veio agora pôr dúvidas sobre a qualidade da reconversão para 3D de material que não foi filmado com esse objectivo….Num dos raros momentos em que a numerosa equipa de filmagem está quase toda de papo para o ar num dos hangares dos estúdios Longcross, Mads Mikkelsen, mais conhecido como vilão de James Bond em Casino Royale, já está maquilhado e distribui cumprimentos aos poucos jornalistas no plateau. E a sua maquilhagem é quase um efeito visual. O seu Draco tem um ar de durão indomável, nada mais contrário à sua natural afabilidade. Quando o vemos a confraternizar com um dos muitos assistentes de produção ficamos com a sensação de que Mads não tem qualquer traço de vedetismo. «Gosto de ficar familiarizado com as equipas nas filmagens. Acho que é mais confortável para todos estarmos na mesma onda. Durante as paragens gosto de ouvir as opiniões dos técnicos, mas também é a minha maneira de trabalhar», corrobora. E já que esta é uma refilmagem de um primitivo filme dos anos oitenta, a conversa flui para os seus gostos no que toca a novas versões: «Há filmes que não podem ser feitos de novo. Odiaria que fizessem um novo Taxi Driver. Talvez faça mais sentido um remake se for no sentido de melhorar os seus efeitos visuais.».Cheira a cola.O novo Confronto de Titãs usa e assume o abuso dos efeitos de computador. Não são só as criaturas e os efeitos que nascem dos visual efects, mas sobretudo as paisagens e os cenários. Reproduzir para o grande ecrã a mitologia dos deuses gregos não era possível há uns anos. Mesmo agora, há quem ainda não ponha a mão no fogo no que toca à plausibilidade destas lutas contra ciclopes e escorpiões gigantes. Seja como for, o Olimpo está aqui à nossa frente e é um cenário do tamanho de metade de um estádio de futebol. É imenso e não há pormenores deixados ao acaso. Nos cantos do estúdio não faltam as habituais armaduras de plástico e as sandálias. Logo ao lado, na sala de direcção de arte, vemos os moldes de plástico de toda a produção. Basicamente, centenas de profissionais querem dar credibilidade a um mundo de fantasia mas com a conhecida arquitectura da Grécia antiga. A palavra de ordem é a escala «meter no bolso tudo o que tínhamos visto em Ágora ou 300». Por isso, quando tocamos na parede das fachadas dos palácios, percebemos que o material não é nada frágil. Desengane-se quem pensa que estes cenários são todos de papelão. Por estas e por outras, o bom senso obriga a pensar que estes blockbusters de Hollywood têm necessariamente de custar um dinheirão. Na altura, alguém da produção disse-nos que o investimento era de cerca de setenta milhões de dólares. Dinheiro que serve para pagar réplicas ao pormenor de centenas de taças, escudos e espadas (umas são de bronze, a maioria de borracha). Ninguém quer que falte nada. Mas se há alguns cenários de dimensão impressionante, a maior parte das vezes estes estúdios estão decorados apenas com fundo verde para os actores poderem contracenar com… o vazio. Sim, nesses casos, eles lutam com inimigos invisíveis que, na pós-produção, se tornam em medusas, monstros mitológicos e tudo o que se puder imaginar. Tudo em formato XXXL. Tal como no filme original, estes deuses quando se zangam são capazes de tudo. Já agora, a sua ira advém de uma luta entre reis e deuses há milhares e milhares de séculos. Perseu, meio homem, meio Deus, é apanhado no meio dessa luta e decide desafiar Hades, o deus vingativo do submundo, que, por seu turno, está a tentar tirar o poder de Zeus. Para isso, Perseu terá de lidar com as suas limitações e poderes, ou seja, terá de reflectir sobre a sua própria humanidade ao mesmo tempo que derrota criaturas demoníacas com o triplo do seu tamanho. .Sam, uma estrela rufia.Quando encontramos Sam Worthington antes de ir à maquilhagem para se tornar em Perseu, já todos só pensam em Avatar, que na altura ainda estava a meses da data de estreia. Mas todos, incluindo a publicista deste Clash of Titans, percebem que Sam é uma estrela de cinema em encomenda. Por esta altura, o seu cartão-de-visita era Exterminador Implacável: Salvação. E, tal como neste filme, encontramos um galã à moda antiga: divertidamente rude, insolente e até um pouco brutamontes. Uma espécie de candidato a novo Russell Crowe? Seja o que for, este australiano acredita muito na dimensão gigante deste projecto: «Quis fazer isto por ser diferente do original, em que Perseu abraçava o seu lado de deus e isso é uma mensagem totalmente errada para os miúdos. Quis que o meu Perseu abraçasse antes o lado humano. Ele comporta-se como um homem! Não é preciso ser-se um deus para triunfar…»..Curiosamente, no dia em que visitámos as filmagens, ainda era segredo o visual de efeito digital das personagens Hades e Zeus, interpretadas por Ralph Fiennes e Liam Neeson. Mas o caricato é vermos alguns dos actores que fazem de deuses, que estão no cenário do Concílio no Olimpo, que em vez de contracenarem com Liam Neeson ou Ralph Fiennes, rodam a cena contracenando com uma voz gravada. O excelente Danny Huston tem dignidade a fazer de Posídon e a contracenar com um actor invisível – as agendas das estrelas de cinema criam destas crueldades. O francês Louis Leterrier parece ser daqueles preciosistas, mesmo quando quer um tom anti-realista, mesmo quando está a encenar birras de deuses mimados… Pelo monitor espreitamos e vemos ao pormenor como Huston, muito maquilhado, espera pelo timing certo para contracenar com a voz gravada de Liam Neeson, que talvez tenha aceitado entrar nesta megaprodução para estar activo e recuperar da sua recente viuvez (este é o primeiro contrato após a morte acidental da mulher, Natasha Richardson)..Gemma, a musa de serviço.À hora de almoço, na cantina não se vêem vedetas, apenas os operários da equipa de filmagens. Obviamente, as estrelas têm camarins à parte e não se «misturam». A produção já dura há muitas semanas mas até tudo estar pronto ainda faltam meses. Sente-se, de alguma forma, algum cansaço. Fazer um blockbuster desta envergadura é duro, ainda que este estúdio tenha todos os confortos. A pessoa mais cansada de todas devia ser Gemma Arterton, a beldade que ganhou fama mundial após ter sido Bond girl no último 007. É que depois de James Bond não tem parado e neste Verão é a musa de Jake Gyllenhaal em Príncipe da Pérsia – As Areias do Tempo, uma produção ainda mais colossal do que esta. Apesar de nesse dia ter ido para a zona das filmagens apenas por obrigações promocionais, finge bem e não lança ares de frete. «É estranho estar a habituar-me a todas essas grandes produções. O que se passa é que os ambientes são muito diferente. Na rodagem de James Bond sentia-se uma atmosfera familiar, ao passo que aqui todos são descontraídos e trabalhadores. Não se sente nenhuma pressão, a equipa toda está a curtir», assegura. A questão agora é perceber se os novos públicos têm sede de uma fantasia mítica… Quando o original surgiu, uma geração inteira olhou para os titãs como um guilty pleasure, um prazer inconfessável. Os deuses devem ficar loucos (e furiosos) se agora as massas não aderirem a este delírio dispendioso…