"Sem o farto bigode, o 'terno' branco, o longo charuto e a autoritária bengala, o 'coronel Ramiro Bastos' desembarcou ontem em Lisboa e passadas algumas horas de repouso aí estava ele iniciando a última coisa que desejava na vida: visitar Portugal", escrevia o DN a 7 de Setembro de 1977. "Em carne e osso, o actor Paulo Gracindo, o intérprete dessa personagem da [telenovela] Gabriela, correu solitário, a conhecer alguns lugares que trazia na memória. Mas apesar do 'disfarce' o 'coronel Ramiro' não passou despercebido. Gente anónima cumprimentou-o, uma senhora disse-lhe adeus de dentro de um autocarro, no Museu dos Coches as pessoas tentavam certificar-se e até alguns miúdos que jogavam à bola, junto ao castelo de S. Jorge, pararam de pontapear o esférico ao reconhecerem o austero 'coronel'. Assim começou a estada em Portugal do actor Paulo Gracindo, com cerca de 35 anos de carreira de actor feita no teatro, na rádio, no cinema e na televisão.".Aos 69 anos, como ironizava o título da página 6, "'coronel Ramiro' está em Lisboa com o pseudónimo de Paulo Gracindo". O nome do personagem "esmagava" o do actor brasileiro (Pelópidas Guimarães Brandão Gracindo - Rio de Janeiro, 1911- -1995). Pouco importava a sua carreira anterior. "O teatro é o meu chão. Eu nasci como actor de teatro. É muito interessante que, mais uma vez, estou ligado a Portugal. Foi exactamente no Grupo de Amadores do Ginásio Português do Rio de Janeiro que aprendi teatro e dali fui chamado pelo dramaturgo Oduvaldo Viana [autor de peças como O Vendedor de Ilusões ou Amor, era pai de outro dramaturgo importante, Oduvaldo Viana Filho, também conhecido como Vianinha, que escreveu obras como Papa Highirte ou Rasga Coração] para o profissionalismo. Estreei-me na peça de Bernard Shaw A Bela e a Fera, ao lado de Dulcina de Morais.".Alguém estaria interessado, naquele ano em que os portugueses se rendiam à novidade da telenovela, de tal forma que até o Parlamento encerraria as sessões mais cedo para os deputados irem ver os últimos episódios de Gabriela - e, na Feira do Livro desse ano, um dos maiores êxitos de vendas era o romance de Jorge Amado, Gabriela, Cravo e Canela -, se Paulo Gracindo tinha trabalhado com o lendário actor Procópio Ferreira; se tinha chegado a "representar em cima de mesas de pingue-pongue"; se fora galã no teatro radiofónico ("teatro cego"); se era célebre o sketch radiofónico Primo Pobre e Primo Rico; se no ano anterior obtivera grande sucesso junto da cantora Clara Nunes no espectáculo, dirigido por Bibi Ferreira no Canecão (e que seria editado em disco), Brasileiro, Profissão Esperança. Nem sequer interessava saber - coisa que a entrevista não abordava - se tinha entrado num filme de Glauber Rocha..Num Portugal que começava a perceber o que significava a palavra jagunço e em que as raparigas imitavam o corte de cabelo da Malvina, o que importava era saber que o personagem tinha muito do pai do actor, antigo senador, deputado, prefeito e governador. "Sou do Norte do Brasil e o coronel é efectivamente um pouco do meu pai. Daí que não me tenha sido difícil entrar na personagem. Assisti a tudo aquilo na minha casa.".E se uma das personagens mais detestadas da novela - e que tinha chegado incógnita - concitava tantas curiosidades, imagine-se o que sucedeu quando aterrou a própria Gabriela, num tempo em que Sónia Braga estava no apogeu da sua beleza e parecia querer dar razão à modinha cantada por Gal Costa: "Eu nasci assim, eu cresci assim, eu sou mesmo assim, vou ser sempre assim, Gabriela, sempre Gabriela."|