Depois de quatro anos surreais, o Brasil viveu esta semana, na ressaca da derrota inédita de um candidato à reeleição, Jair Bolsonaro, o ápice do surrealismo. Bolsominions, como são chamados pela maioria dos brasileiros, ou patriotas, como eles se autodenominam, foram às ruas curtir as duas primeiras fases do luto, negação e raiva..Nalguns pontos do país, fardados de verde e amarelo vibraram com as notícias da prisão de Alexandre de Moraes, o presidente do Tribunal Eleitoral, e do envio de tropas a Brasília para anular o resultado das eleições. "Obrigado, Senhor!", "o Brasil é nosso!", bradaram, em lágrimas, na direção dos céus, até descobrirem, minutos depois, que estavam, logicamente, a ser vítimas patéticas do veneno que produziram por anos: notícias falsas..Um grupo ficou famoso por cantar o hino, com aquela pungência que só um bolsominion (patriota, perdão) atinge, virado para um pneu. Sim, um pneu que, fosse gente e não borracha, coraria de vergonha por se ver naquela cena..Um outro grupo, menos cómico, dispensou o pneu mas não o infame sieg heil hitleriano, durante a cantoria num povoado do mais bolsonarista, branco e germânico-descendente dos estados do Brasil, Santa Catarina..Outros grupos que juravam, heroicos, não arredar pé dos bloqueios nas estradas, fugiram, brancos de medo, nalguns casos deixando até as chaves dos camiões e das motos na ignição, quando as claques do Atlético Mineiro e do Corinthians, em trânsito para os jogos dos seus clubes, chegaram e os mandaram liberar as vias e ir trabalhar..Muitos foram filmados, sem se rirem, a marchar em frente a quartéis, quais soldados da Armata Brancaleone, e a rogarem ao Exército brasileiro, que desde a guerra do Paraguai está mais ou menos em serena hibernação, por um golpe..Houve um bolsominion (patriota) que fez sucesso online ao ser filmado a atirar-se para cima de um carro parado a simular um dramático atropelamento. E outro que, ao tentar impedir que um camião furasse o bloqueio, percorreu seis quilómetros agarrado ao veículo, como numa paródia de um filme do 007. Na internet, já se vendem homenzinhos agarrados a camiões para colar nos frigoríficos..Na mesma internet viralizou entre patriotas uma reunião por Zoom de Bolsonaro com uma juíza do Tribunal de Haia a admitir fraude eleitoral. A juíza da imagem, porém, era a cantora Lady Gaga..Enquanto os patriotas faziam estas figuras, Bolsonaro, o real, movia-se por aquilo que sempre o moveu desde que, através de um artigo dos Anos 80 na revista Veja a exigir salário mais alto para os militares, entrou na vida pública: dinheiro..Negociava com o presidente do seu partido um chorudo salário, uma casa paga e assistência jurídica de borla, abrigado, no conforto do Palácio da Alvorada, da chuva que punia lá fora os membros mais amalucados da sua seita - amalucados, mas firmes por, segundo eles, o aparente descaso do líder não passar de silêncio estratégico de um génio militar..Algures na terra redonda, entretanto, o eleito Lula da Silva recebia os parabéns de Biden, de Xi, de Putin, de Macron, de Scholz, de Guterres, de Von der Leyen. E marcava viagem ao Egito para participar na COP27, com escala em Lisboa, antes de começar a tratar da transição com os adultos do governo de Bolsonaro, alguns deles, nada amalucados, já prontinhos para mudar de lado..Jornalista, correspondente em São Paulo