Não construção da barragem foi desastrosa para o vale do Côa

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A Adega de Foz Côa fez mais pela divulgação das gravuras do que as gravuras pelo vinho do Douro. A convicção do presidente é partilhada por outros agentes locais do vale do Côa, defraudados pelas expectativas de desenvolvimento económico de uma das regiões mais deprimidas da União Europeia.

Numa das regiões vitivinícolas mais importantes, mas sem indústria nem comércio, a adega cooperativa é o cartão de visita VIP. Fernando Azevedo reconhece que a adega desenvolveu a sua estratégica de marketing associada às gravuras e sublinha que os visitantes do vale do Côa provavelmente não voltam. "Mas, quem compra o vinho, certamente voltará a fazê-lo."

É esta qualidade que os empresários afirmam não ter sido conseguida na última década na região. Onde não está tudo igual só piorou, como se verificou na diminuição e envelhecimento da população e no aumento do desemprego.

Há pessoas que visitam Foz Côa para visitar as gravuras rupestres e se vão embora sem o conseguir fazer por falta de guias, já que o acesso aos locais da arte rupestre está condicionado pelo Parque Arqueológico do Vale do Côa. Depois de horas de viagem, os visitantes chegam e abalam de carro no mesmo dia. Ainda que quisessem ficar, não teriam onde dormir, pois não há equipamentos que cheguem.

As prometidas infra-estruturas hoteleiras resumiram-se à construção da Pousada da Juventude e um restaurante. A oferta de alojamento é concluída com a residencial e uma casa de turismo rural. Os restaurantes são meia dúzia.

Hugo Santos, jovem empresário nascido e criado na região, acreditou nas potencialidades surgidas com a preservação da arte rupestre. Em 2001, "sem apoios do Estado", investiu 200 mil euros numa empresa de turismo de aventura, para alargar a oferta aos visitantes. Esperavam-se 200 mil, mas os 15 mil conseguidos permitem-lhe um movimento anual de 30 mil euros.

Parece inacreditável que haja quem se desloque a Foz Côa e não consiga aceder às gravuras. Hugo Santos desespera "As pessoas dirigem-se ao Parque, mas como não há guias disponíveis não fazem a visita e como não tem onde dormir, vão-se embora. A maioria vai furiosa e nunca mais volta." É impossível visitar as gravuras sem guias, também devido à região inóspita em que se inserem, mas Hugo Santos afirma que poderiam ser os privados a fazê-lo, já que o Parque não consegue dar resposta. "Temos um protocolo assinado para a formação de guias, mas não avançamos. Quando as pessoas me telefonam a perguntar se as posso acompanhar tenho de dizer que não."

A falta de guias é emblemática de um planeamento inexistente e da consequente inércia. Fatal para a economia. Mas não é a única falha. Emídio Mesquita, que ganhou a câmara de Foz Côa em Outubro, e é adepto das gravuras, reconhece que as autoridades locais foram as primeiras a não acreditar no sonho. Até há poucos meses, diz, não havia posto de turismo, nem gabinete de apoio ao empresário e as ajudas municipais eram nulas. Ainda assim, o autarca não vê vantagens na barragem "Pagamos a electricidade ao mesmo preço."

Apesar dos fundos comunitários e nacionais canalizados para a região, sobretudo através do Procôa - Programa de Desenvolvimento Integrado do Vale do Côa -, os equipamentos decisivos continuam no papel. O Museu de Arte Rupestre, o ex-líbris alternativo para os que não se quisessem aventurar nos trilhos de jipe e moto4, só na Primavera deverá ter o projecto pronto. A nova directora do parque arqueológico, Alexandra Lima, acredita que as obras arrancarão no fim do ano. Um cenário optimista numa realidade difícil de alterar a criação do Parque só ficou concluída há poucos meses.

Alexandra Lima sabe que há muito para fazer. Faltam camas, restaurantes, equipamentos e só agora se estão a licenciar produtos regionais. Na órbita do parque foram criados 60 postos de trabalho, um terço indirectos. É pouco e Alexandra Lima confessa que gostava de mais celeridade.

O museu de Freixo de Numão é a alternativa. Abriu em 1996 e apanhou o "comboio" das gravuras, mas o projecto existia desde 1980. Para o presidente António Coixão as expectativas ficaram aquém, mas "as gravuras são património único". O museu custa 50 mil euros/ano. Nem será muito, mas se não fossem a associação e a câmara não seria possível mantê-lo, pois as 4500 visitas/ano não bastam.

Se o cenário é difícil no Douro sul, na Beira Interior, em Figueira de Castelo Rodrigo, Pinhel ou Meda, que beneficiariam com a albufeira, a opção pela preservação das gravuras revelou-se catastrófica. "Foi uma burla", desabafa Sales Gomes, coordenador da Raia Histórica, associação de desenvolvimento do Nordeste da Beira, e presidente da Assembleia Municipal de Pinhel. "Devía- mos ter água e não temos, prometeram reforço de verbas e limitaram-se a incluir no ProCôa as verbas do PIDDAC, garantiram-nos infra-estruturas e equipamentos e nada foi feito."

Não construção da barragem foi desastrosa para o vale do Côa

Enquanto se anuncia a construção de duas novas barragens no Baixo Sabor e na Foz do Tua, para reforçar a produção de energia e o armazenamento de água, no vale do Côa os agentes locais afirmam que o prometido desenvolvimento económico está muito longe da região. Entre a decisão política de não construir a barragem e salvar o maior parque de arte rupestre ao ar livre do mundo passaram dez anos. Tempo que não chegou para construir o museu de arte rupestre, para criar alojamentos e potenciar o turismo de massas. Dos 200 mil visitantes projectados, só chegam anualmente 15 mil

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